terça-feira, 23 de agosto de 2011

Histórias de João Dino - Mané Lourenço, Folclore de orós

As operações aritméticas Adição, Subtração, Multiplicação e Divisão eu aprendi ainda criança com a minha professora Edite Soares. É verdade que a palmatória e os caroços de milho sobre os quais a gente ficava ajoelhados na camarinha escura tiveram muita influência. Outra verdade é que eu sempre me entendi muito bem com a tabuada.

Por essa razão, aos 10 anos de idade, eu fazia companhia ao meu Avô quando ele vinha de Orós para Juazeiro do Norte fazer compras.

O quiosque nº 2 do Mercado Público era o ponto comercial, conhecido como “A BANCA DE SEU ADAUTO”, onde ele vendia todas as bugigangas, miçangas, remédios caseiros, balaios, esteiras, chapéus, chocalhos, lamparinas, panelas, chaleiras, copos, cordas etc., era o que popularmente se chamar de “Armazém Bagaço”.

Minha função era pastorar os objetos comprados por ele, conferir os preços e organizar para a viagem de volta.

Sempre muito curioso, certa vez eu vi meu Avô comprar a um relojoeiro uma moeda de ouro do tempo do império, por uma importância equivalente a 5 vezes o valor da minha bicicleta.

Vale salientar que a minha bicicleta era muito linda. Marca Bristol. Importada da Inglaterra. Essa preciosidade eu tinha comprado a ” Zé Baixim Corcunda”, com dinheiro economizado num cofre de barro por mais de dois anos.

Eu pensei que o vendedor estivesse ludibriando o meu Avô, e falei: Que moeda cara da peste é essa, Vô?

Ele sorriu e respondeu: João Dino, quando eu chegar em Orós com essa moeda vou revender pelo dobro... Seu Luto da Farmácia, Severino Dantas, Airton Josino, Mundim Relojoeiro, Seu Josias da Bodega... Eles compram essas moedas para colecionar.

Tudo bem... Eu entendi...
No dia seguinte estava meu Avô mostrando a moeda ao povo e fazendo aquela propaganda, quando de repente um cidadão sexagenário, vestido numa roupa que mais parecia um pijama, um chapéu de palha comum, uma chinela currulepe com solado de pneu, fumando um cachimbo, entrou no meio dos fregueses da banca do meu Avô e pediu para manusear a moeda.

Examinou bem a efígie, comprovou que era uma jóia muito rara, e com a maior naturalidade perguntou ao meu Avô quantas moedas iguais aquelas ele possuía. A resposta foi rápida: Eu só tenho essa e é para vender.

O cidadão devolveu a moeda e foi dizendo: Pois Adauto, você me acredite, eu ainda tenho lá em casa, enterradas na minha camarinha, debaixo da minha cama, dois potes de barro cheios até a boca, só com moedas desse tipo... Será que essas bichas valem alguma coisa?

Eu percebi que ninguém deu muita importância a fala do velho. Afastei-me um pouco e passei mais de meia hora com lápis e papel calculando o valor da fortuna que esse cidadão possuía só em moedas de ouro.

Meu Avô perguntou: João Dino, que diabo de tanta conta é essa que você está escrevendo aí? Eu disse: Vô, esse velho nem sabe o valor da riqueza que ele tem em casa. Dois potes deve caber “X” moedas... Multiplicado pelo valor dessa que o Senhor comprou...

Meu Avô deu uma gargalhada, me interrompeu e contou a verdade: João Dino, esse velho é o cristão mais mentiroso que o Criador colocou na face da terra... O nome dele é Mané Lourenço... Nem cama ele tem... Imagine moedas de ouro...

Foi assim que eu conheci Mané Lourenço. Ele virou meu ídolo. Cansei de passar horas na Oficina de Sapateiro ouvindo as histórias que ele contava enquanto consertava sapatos.

Em Orós, até hoje, quando alguém conta uma mentira, em vez de se falar: Isso é uma “História de Trancoso” (Gonçalo Fernandes Trancoso, Escritor Português do Século XVI), diz-se: Isso é uma “História de Mané Lourenço”. Faz parte do folclore da Cidade.

Em outra ocasião, Dedé de Bia Laurentino (Ex-Vereador da Cidade, meu primo quase irmão, de saudosa memória) num dia de domingo, juntou 10 homens para ajudá-lo na construção de uma cerca de varas. Trabalho realizado assim é o que denominamos de mutirão.

O caminhão saiu 5 horas da manhã rumo aos tabuleiros. Todos trabalhando duro, inclusive eu. O descanso foi apenas de 9:00 às 9:30 h para o almoço.

Corta as varas nos matos, carrega até o caminhão, cava os buracos, enterra as varas, amarra de arame...

Às 18 horas nós estávamos terminando de cercar o quintal da casa de Dedé (40 metros de extensão), quando o Velho Mané Lourenço, estava voltando do roçado, montado num jumentinho, com uma pequena foice na mão.

Pediu um copo d’água e perguntou a Dedé: Esse magote de homem você juntou tudo só prá fazer esse cercadinho, Dedé? Resposta: Sim...

O comentário dele: Os homens de hoje em dia são fraquinhos demais... Não têm resistência, não têm disposição prá nada... Dedé, aquela cerca da casa da fazenda de Seu Eliseu Batista, localizada na Ilha do Açude de Orós, mede três vezes essa sua. Pois você me acredite, eu comecei a cortar as varas prá fazer aquela cerca 5 horas da manhã. Só eu e “Mimoso”, esse jumentinho franzino que você não dá nada por ele.

Meio dia, faltando transportar dos tabuleiros para a Ilha mais da metade das varas, a canoa se quebrou.
Você pensa que eu parei... Parei não... Eu tinha prometido a Seu Eliseu que terminaria a cerca dele mesmo debaixo de chuva...

Coloquei dois pares de cambitos em Mimoso... Dedé, esse jumentinho com 200 varas no lombo, mais parecia uma jangada cearense cortando as águas do Açude de Orós. E eu acompanhava nadando no braço...

Graças ao meu Padim Ciço, quando Seu Eliseu chegou com as visitas, a cerca estava toda prontinha... Foi um dia de serviço pesado...
Mané Lourenço contava essas prosas, mas não gostava quando alguém fazia perguntas ou debochava. Para provar, enquanto todo mundo estava olhando para a sua cara-de-pau, ele pediu ao jumento para confirmar: Não foi ”Minoso”?

Valdimiro Vieira, um Oroense que nesse momento está lendo essa história em Luanda, capital da Angola, na África Ocidental, não vai acreditar no que eu vou dizer...

Eu vi, com esses olhos que um dia a terra há de comer, quando o jumentinho balançou a cabeça confirmando.

Talvez por isso ainda hoje eu acredito nas histórias de Mané Lourenço.
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NOTA DE SAUDADE: Dedico essa história ao meu grande amigo, de saudosa memória, “PEDRO AUGUSTO NETTO”, fundador do museu de Orós.
Pedrinho, como era carinhosamente conhecido por todos os amigos.

Fonte: www.blogdosanharol.blogspot.com

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