A cada dia, pelo menos nove
pessoas são mortas no Ceará. Por semana, são 63 casos. Por mês 252; por ano
3.024. A média de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs), na última
década, demonstra a alta taxa de letalidade no Estado. De janeiro de 2009 até
setembro deste ano, 33 mil pessoas foram assassinadas. Estatísticas da
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) apontam para uma violência,
cada vez mais grave, a despeito de altos e baixos nos índices.
Crimes bárbaros passaram a ser
vistos na rotina da população. Ontem, quatro cabeças foram encontradas às
margens da Lagoa do Urubu, na divisa entre os bairros Álvaro Weyne e Padre Andrade.
Conforme um policial militar, três cabeças são de homens e a quarta de uma
mulher.
Dois homens foram presos sob a
suspeita de participar do triplo assassinato, ocorrido na noite de terça-feira
(30). Um deles informou à Polícia que as decapitações foram motivadas por
rivalidade entre facções criminosas. "Cortei a cabeça dos três quando eles
já estavam mortos, com uma faca", disse um homem, ainda não identificado,
quando capturado pela PM.
Além dos três presos, outros oito
criminosos estariam envolvidos no triplo homicídio. Desde o ano passado, a
barbárie envolvendo crimes cujas vítimas tiveram partes dos corpos decepadas,
mostrou ser consequência de um 'julgamento' promovido pelos próprios
criminosos, que decidem quem deve viver ou morrer, em nome das regras de cada
facção. Regras criadas e impostas internamente por aqueles que instituíram uma
espécie de lei paralela.
Auge
Dos 33 mil Crimes Violentos
Letais Intencionais (CVLIs), cerca de 25 mil aconteceram nos últimos cinco
anos. O auge da violência atingiu o pico em 2017, quando foram contabilizados
5.133 casos. Quanto mais as facções criminosas se alastravam pelas Cidades,
mais a sociedade percebeu viver em um cenário de guerra civil. No entorno de
residências e comércios, trancas, muros altos, cercas elétricas, câmeras e
vigilância armada. A população aprendeu a se proteger para sobreviver.
Para o pesquisador do Laboratório
de Estudos da Violência (LEV) e professor da Universidade Federal do Ceará
(UFC), Luiz Fábio Paiva, "os poderes públicos têm insistido em uma
alternativa policialesca para problemas estruturais". Paiva afirma que o
problema necessita de atenção multissetorial. "As forças policiais não têm
condições de resolver as situações geradoras do crime. Por isso, mesmo com
investimento vultosos na área de segurança, concentrados na Polícia Militar,
não conseguimos mudar o cenário".
O atual perfil de quem mais morre
no Estado se mantém o mesmo no passar dos anos. São homens negros, de 15 a 29
anos de idade, com baixa escolaridade e renda que compõem a maior parte das
estatísticas dos CVLIs. O dado mostra que os jovens da periferia se mantém como
principal alvo da violência. A desigualdade social permanece como um dos
principais fatores influenciadores da criminalidade. Em Fortaleza, as Áreas
Integradas de Segurança (AIS), instaladas em bairros da periferia, são as que
registram maiores índices de mortes violentas, a exemplo do Conjunto Ceará,
Granja Lisboa, Siqueira, Antônio Bezerra, Bela Vista e Parque Iracema.
Parte dos jovens assassinados
haviam se envolvido de alguma forma com facções criminosas. Encontraram dentro
desses perigosos grupos uma promessa de vida melhor, mesmo que isso
significasse infringir as leis. O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) divulgou, ontem, que o número de mortes de homens, na faixa
etária entre 15 a 24 anos, por motivos externos, cresceu 144,15%.
Foram 2.674 casos nesta faixa
etária em 2017, o que representa 8% dos 32.106 casos gerais de homens no ano.
Os dados são do informativo 'Estatísticas do Registro Civil'. No quesito
'mortes externas' são considerados casos de suicídios, acidentes de trânsito,
afogamentos e homicídios. Sete estados tiveram aumento nos números, cinco deles
estão na região Nordeste: Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia e Ceará.
Facções
A cada fala, representantes da
Segurança Pública do Estado reiteram que o problema da violência é uma queixa
nacional. A disparada na criminalidade tem relação direta com a presença das
facções criminosas. No ano de 2017, quando o Governo do Ceará começou a falar
abertamente sobre a extensão das organizações criminosas, a população percebeu
a autoridade dos criminosos, diante das exigências deles.
Atualmente, a facção Guardiões do
Estado (GDE) é a que mais arregimenta jovens. A chance de se tornar uma
liderança local em pouco tempo - mesmo tomando atitudes consideradas inconsequentes
até dentro do 'mundo do crime' - agrada àqueles que estão dispostos a contar
com o tráfico, como 'meio de vida'.
Luiz Fábio Paiva destacou que o
número alarmante de homicídios na periferia mostra que o Estado insiste em
medidas paliativas, sem políticas de alcance social abrangentes.
Chances
Para o especialista, é preciso
olhar para a juventude com o desejo de resgatar a dignidade das pessoas e gerar
oportunidades, para que tenham chances reais. "Os pais de família mais
pobres não encontram uma retaguarda e, geralmente, sente-se impotentes diante
da ascensão de coletivos criminais em seus locais de moradia. Essa tragédia não
aconteceu da noite para o dia e, também, não será desfeita com medidas de
policiamento e enfrentamento armado", afirma o professor.
Fonte: Diário do Nordeste
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