Os projetos produtivos de criação de tilápias de forma
intensiva em tanques-rede instalados em açudes do sertão cearense, que
trouxeram melhoria significativa para a vida de muitas famílias, estão em
decadência. Motivo: o baixo volume de água nos reservatórios e a mortandade dos
peixes. A consequência: queda de produção, desemprego e perda de renda mensal.
Nos dois maiores açudes públicos do Ceará – Castanhão e Orós
– a atividade está praticamente chegando ao fim. Nos médios e pequenos
reservatórios já houve suspensão dos criatórios. O período que se avizinha, a
Quaresma (40 dias após o Carnaval) e a Semana Santa, é propício para o
crescimento da demanda por pescado, mas o Estado já não tem oferta suficiente
para o consumo atual, e o peixe começa a ser importado da Bahia.
O Ceará passou de segundo maior produtor de tilápia do Brasil
para a 20ª colocação, entre 2013 e 2017, segundo dados da Associação dos
Piscicultores do Ceará. O setor já movimentou a economia regional, gerando
milhares de empregos, em particular nos dois maiores polos, os açudes Castanhão
e Orós.
Os primeiros projetos foram implantados em 2004, no Orós, que
chegou a produzir 400 toneladas de pescado por mês e atender 700 famílias, nos
municípios de Orós e Quixelô. Hoje, produz só 15 toneladas, e conta apenas com
15 famílias que ainda insistem em manter a atividade. O volume atual do Orós é
de 5,3%, o menor índice de sua história. No Castanhão, o maior açude do Ceará,
o volume de apenas 3,60% inviabiliza a continuidade dos projetos de
piscicultura. Recentemente, foi registrado mais um episódio de mortandade de
tilápia em tanques-rede.
Segundo dados atualizados da Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico, Aquicultura e Pesca de Jaguaribara, houve perda de
mais de 50% da produção que estava nas gaiolas, equivalente a mais de 500
toneladas. A produção no Castanhão já atingiu no seu auge cerca de 1.500
toneladas de tilápia por mês. A atividade está em declínio. Em 2017, registrou
queda de 90%, ou seja, o reservatório produziu apenas 150 toneladas por mês. Em
2018, houve uma retomada parcial e chegou-se a 300 toneladas, graças à recarga
do açude no período chuvoso.
“A estratégia dos criadores é assegurar a produção máxima
para vender na semana Santa, quando o preço do pescado melhora, mas com essa
mortandade da semana passada, os prejuízos são enormes e ainda estão sendo
calculados”, explicou a secretária de Desenvolvimento Econômico, Aquicultura e
Pesca de Jaguaribara, Lívia Barreto.
Em Quixelô, na bacia do Açude Orós, a piscicultura em
tanques-rede chegou ao fim. O mesmo ocorreu nos açudes Olho D’Água, em Várzea
Alegre; Trussu, em Iguatu, e Cachoeira, em Aurora. No reservatório de
Ubaldinho, na cidade do Cedro, a produção de tilápia em gaiolas está
parcialmente paralisada.
“Estamos parados, sem trabalho, sem renda”, disse o produtor
Luís Oliveira, na bacia do Açude Orós, no Município de Quixelô. “A nossa
situação é de muita dificuldade, o sonho virou pesadelo e os projetos estão
parados, sem água no açude”. Os piscicultores ficam tristes e centenas de
famílias, sem renda.
No início, o projeto trouxe mudanças econômicas importantes.
Os produtores substituíram antigas casas de taipa por alvenaria, adquiriram
eletrodomésticos e veículos. Houve melhoria de qualidade de vida, mas a
situação adversa retornou.
A água no Orós se distanciou mais de quatro quilômetros das
áreas onde se produzia inicialmente. A atividade revela-se insustentável. Na
região, um dos açudes que ainda mantém a atividade é o Rosário, em Lavras da
Mangabeira. É uma exceção. Para se manter ativo, a quantidade de peixe em
gaiolas foi reduzida pela metade, visando evitar episódios de mortandade.
“Somos praticamente os últimos que estão produzindo”, disse o vice-presidente
da Associação dos Aquicultores do Açude Rosário, José Valdo Pereira. “Com
dificuldade, mas a gente vai ter peixe para a Semana Santa”.
O veterinário Paulo Landim, que acompanha desde o início os
projetos de piscicultura em Orós, critica a falta de atenção dos governantes
para com a atividade. “Além da escassez de chuva, houve retirada de água do
Orós, sem nenhuma medida compensatória”, frisou. “Precisamos de um seguro para
a atividade, como há para a agricultura, o seguro-safra”. O professor do curso
de Biologia da Universidade Regional do Cariri, Hênio Nascimento de Melo
Júnior, coordenador do laboratório de Limnologia e Aquicultura, acompanha nos
últimos anos os casos de mortandade nos projetos de piscicultura intensiva. “É
lamentável o que vem ocorrendo, falta informação sobre esse fenômeno natural”,
pontuou. “No açude Rosário, estamos conseguindo evitar com a mudança de gaiolas
a ocorrência de mortalidade”.
Mortandade
Hênio Melo Júnior entende que os episódios de mortandade de
tilápia ocorridos nos projetos produtivos relacionam-se com a circulação
vertical turbulenta da água, provocada por mudança de temperatura da água entre
o dia e a noite. Abaixo das gaiolas, no fundo do açude, estão fezes dos peixes,
restos de ração e de vegetação que liberam gases tóxicos e retiram oxigênio da
água. “A força motriz do problema é a alteração da temperatura, os ventos
fortes, que movimentam a água e creio que os peixes morrem intoxicados”,
explicou Melo Júnior. “A água no açude se movimenta e sedimentos e componentes
tóxicos se misturam alcançando as gaiolas”.
O Governo do Estado extinguiu recentemente a Secretaria de
Aquicultura e Pesca e as atividades da Pasta, segundo a assessoria de imprensa,
ainda estão sendo definidas.
Fonte: Diário do Nordeste
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