segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Resgate da rotina após onda de ataques



A Banquinha da Irmã Maria, na Praça da Estação há quase 20 anos, foi incendiada na madrugada do último dia 7, colocando o Centro na lista dos bairros afetados pela onda de violência que vem varrendo Fortaleza e o Ceará desde o início do mês. O fogo devorou a estrutura de metal, queimou fogão e salgadeira, fez derreter dobradiças e janelas de vidro. No início da semana passada, a vendedora voltou ao trabalho, depois de uma onerosa reforma que sugou suas economias. Irmã Maria é símbolo da Fortaleza que tenta retomar a rotina.

Um mês de ataques e 466 pessoas presas por participação nos atos criminosos até a última sexta-feira. Concentrada, sobretudo, em bairros da periferia de Fortaleza, e com ações que escorrem para cidades do Interior, a onda de ataques interferiu diretamente na rotina de pessoas que dependiam do transporte público para se locomover, causou apagões de energia, prejudicou a coleta de lixo e espalhou um clima de medo coletivo reforçado pelo compartilhamento de boatos e informações exageradas.

No Centro da Cidade, comerciantes entrevistados pelo O POVO estimam que a queda do movimento nos dias mais violentos foi de 30% a 40%. Para Irmã Maria, a perda foi maior, visto que a banquinha da Praça da Estação era sua única fonte de renda. "Tá pesando no orçamento, porque estou sem trabalhar. Eu tinha só uma reservinha. Tudo o que tinha apurado, estou gastando agora. Tô pedindo fiado, pegando emprestado", conta ela, que gastou cerca de R$ 4 mil com a restauração da banca, local onde há duas décadas vende coco, café, bolos e salgados para os que esperam 
pelos coletivos.

Irmã Maria, que mora próximo à Avenida Domingos Olímpio, diz que apesar da redução dos ataques o clima no Centro ainda é de desconfiança. A vendedora Vânia Zanovisck, dona de um carrinho de picolé, concorda com a colega e diz que, ela própria, deixou de trabalhar durante vários dias. "Em 15 anos vendendo aqui, é a primeira vez que vejo as pessoas com tanto medo e o movimento tão fraco", lamenta.

A falta de ônibus na primeira semana de ataques obrigou trabalhadores e frequentadores da região do Centro a buscarem formas alternativas de locomoção, implicado gastos que, muitas vezes, não eram previstos. "Nos dias em que faltou ônibus, tinha muita gente pegando táxi, porque não tinha como voltar pra casa. O Centro esvaziou, as lojas fecharam. Agora tá começando a voltar ao normal", contou o taxista José Alcides Almeida, que tem ponto fixo nas proximidades da Praça da Estação desde 2017.

Até o fechamento desta edição, 36 coletivos haviam sido incendiados em Fortaleza e Região Metropolitana desde o início de janeiro. O presidente do Sindiônibus, Dimas Barreira, disse a O POVO que, apesar da manutenção dos esquemas de segurança policial e de vigilância, e dos desvios estratégicos em áreas mais perigosas, os ônibus já circulam normalmente e em todos os horários. "Meu palpite é que a tempestade está no fim e a paz se aproxima. Fortaleza já vive um clima suportável de segurança e normalidade. Apenas é preciso, ainda, paciência e precaução, pois, com menor intensidade, esta ameaça deve perdurar algum tempo, e atos violentos espaçados ainda podem ocorrer. É sintoma de final de disputa não negociada: o perdedor não se resigna", comentou.

Em entrevista a O POVO, o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza, Assis Cavalcante, também confirmou que os comerciantes do Centro vêm sentindo a retração nos ataques e as consequências do retorno à normalidade das rotas de coletivos. "65% das pessoas que vão ao Centro usam ônibus, seja para trabalho, seja para fazer compras. No momento que não têm ônibus, as pessoas ficam impossibilitadas de vir. Tivemos diminuição nas vendas, mas aos poucos estamos voltando ao normal. A população já está saindo de casa. As pessoas continuam consumindo, o Estado precisa recolher os impostos, os funcionários precisam receber seus salários. A vida tem que continuar", comentou.


Fonte: O Povo

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