terça-feira, 19 de março de 2019

Chuvas localizadas e estrutura precária de açudes preocupam

O Açude Gangorra voltou a sangrar na manhã de ontem, criando uma pequena cachoeira. Há sete anos, o reservatório não atingia seu volume máximo

A quadra chuvosa chegou ao Estado trazendo um cenário desigual aos açudes cearenses. Enquanto uma parcela segue diariamente recebendo substancial e importante aporte hídrico, outra parte amarga sucessivas perdas de volume.

O primeiro cenário, no entanto, não traz apenas comemoração ao sertanejo. A preocupação, sentimento que deveria não ser experimentado num momento de boas chuvas, se fez presente em várias cidades do Estado devido à precariedade estrutural de alguns açudes de pequeno e médio portes.

A construção irregular, sem licença da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará (SRH), ou a deficitária fiscalização do órgão, convergem em uma situação de risco iminente.

Nos últimos quatro dias, pelo menos três açudes apresentaram perigo de rompimento.

Em Pacajus, o Açude Luiz Carlos começou a sangrar no início da semana. A força da água preocupa os quase oito mil habitantes do bairro Coaçu, onde o reservatório foi construído há mais de 40 anos. A parede do sangradouro está deteriorada e apresenta diversas rachaduras e infiltrações.
Ontem, a Secretaria de Infraestrutura do Município iniciou uma operação paliativa, para reforçar a parede da barragem, instalando pedras e blocos de piçarra.

O Açude Granjeiro, localizado entre Ubajara e Ibiapina, também estava com risco iminente de rompimento. Uma força-tarefa foi montada entre Defesa Civil do Estado, Agência Nacional das Águas (Ana), poder público municipal e a população para conter a água. Mais de 100 pessoas se envolveram na ação. Cerca de 12 mil sacos de areia foram utilizados como medida emergencial para diminuir os riscos de desabamento. Próximo ao reservatório, moram mais de três mil pessoas.

Alívio

Por lá, as notícias não são apenas de cunho preocupante. O Norte do Estado foi uma das regiões mais atingidas pelas chuvas no início desta quadra chuvosa. Ontem, o Açude Gangorra, em Granja, voltou a sangrar após sete anos. Construído em 1999, sobre o leito do riacho Gangorra, o Açude tem capacidade para 62 milhões de metros cúbicos. Sua sangria trouxe, além de alegria, alívio para a população que há anos amargava prejuízos com a lavoura. Ele é o responsável pelo abastecimento de Granja e distritos vizinhos.

O Gangorra não é o único a estar sangrando na Região Norte. Dos 14 açudes que atualmente alcançaram a capacidade máxima, a metade fica situada por lá.

Enquanto isso...

O contraste deste cenário de fartura de água - e de temor quanto ao rompimento de algumas barragens - é notado no sertão dos Inhamuns. Somente na cidade de Tauá, três reservatórios estão completamente secos. As chuvas escassas desde janeiro passado já provocam perda da lavoura de grãos (milho, feijão) e de outras culturas nos Inhamuns.

O quadro é desolador para os produtores rurais. Os açudes estão com reduzido volume, e os poços estão secando. Se o quadro persistir nos próximos dias, muitos já pensam em vender parte do rebanho bovino e ovino por falta de alimentação e de água. Uma das áreas mais críticas é o distrito de Carrapateiras, distante 25 km do centro urbano. No sítio Altamira, o cultivo de sequeiro (aquele que depende exclusivamente da chuva) já está perdido.
A comunidade do Distrito de Carrapateiras amarga inúmeros prejuízos. A escassez de chuvas afetou o cultivo de sequeiro.Foto: Honório Barbosa

Quem preparou a terra em fevereiro ainda não conseguiu fazer o plantio porque o solo está seco. "As chuvas são poucas e irregulares e nunca vi uma coisa assim", disse o agricultor Manoel Siqueira de Melo, de 72 anos. "Fiz quatro plantas e todas morreram".

O agricultor Francisco Carlos de Oliveira, 70 anos, disse estar desesperado e com dificuldades de dormir. "A forragem (capim nativo) já acabou, a terra está seca, e os bichos já começam a passar fome", lamentou. "O plantio de sorgo, milho e feijão já se perdeu". A mulher dele, Maria do Espírito Santo Lopes de Oliveira, mantém a fé de que as chuvas vão voltar. "Estou confiante de que ainda vai chover".

O secretário de Agricultura e Recursos Hídricos de Tauá, João Evonilson de Souza, observa que o abastecimento de água da cidade está garantido para este ano, pois o açude Trici acumula 45% e há ainda a adutora emergencial do reservatório Arneiroz II. "Se não houver recarga, a situação vai ficar muito difícil no próximo ano", prevê.

Prejuízo

Todas as áreas de produção agrícola em Tauá registram perda do plantio de grãos de sequeiro. "O quadro é geral, diariamente, os agricultores reclamam da situação que estão enfrentando", disse Rejane Castro, secretária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá. "Tem sido muito ruim para os produtores e por isso ocorre o aumento do êxodo rural por parte dos jovens, que não têm oportunidade no campo".

A zona rural do Município de Tauá é abastecida por 65 caminhões da Operação Pipa do Exército. São atendidas cerca de três mil famílias em mais de 50 comunidades, de acordo com dados da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec).
"Se não chover bem, a tendência é a situação se agravar no segundo semestre", explica o coordenador da Comdec, José Hilton de Souza. A produtora rural, Raimunda Tertuliano de Melo, no entanto, disse manter viva a esperança de chuvas na região.

"Muitos falam que o prazo é até o Dia de São José (19 de março), mas espero mais, até lá pra junho". As chuvas irregulares são comuns no Ceará. A localização geográfica e o fenômeno indutor das chuvas neste período, a Zona de Convergência Intertropical (ZCTI), que se altera com frequência, dificultam a estabilidade das precipitações.


Fonte: Diário do Nordeste

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