terça-feira, 13 de agosto de 2019

Exploração sexual infantil: subnotificação e difícil investigação

A vulnerabilidade social rompe barreiras entre o certo e o errado. Se para a legislação, exploração sexual infantil é crime, para as vítimas, muitas vezes, essa torna-se a última alternativa de ter um 'ganha pão'. É pensando assim que a maioria das vítimas não se percebe na posição de agredida e, consequentemente, não enxerga no ato um crime.


Historicamente, a exploração sexual infantil é um crime subnotificado. Ao ver crianças e adolescentes nas esquinas, comercializando seus corpos, há quem pense que se estão ali é porque fizeram uma escolha, então, não cabe a quem viu denunciar às autoridades. Fechar os olhos é ser conivente com a criminalidade.

De acordo com levantamento da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), no Ceará, em 2018, foram registrados sete casos de menores de idade vítimas de exploração sexual. Neste ano, até então, foram dois registros. O número baixo não reflete a realidade, e sim mostra que o crime se reconfigurou com o passar dos anos e vem sendo cometido de forma velada.

Os que transitam pela madrugada em Fortaleza percebem que, se comparados à última década, diminuíram frequência e quantidade destes menores de idade nas vias públicas à espera de quem pague em troca de sexo. Mesmo com a redução, o Ceará é o Estado do Nordeste com maior número de pontos de vulnerabilidade à exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em rodovias federais.


O levantamento do Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil divulgado no fim do mês passado pela Procuradoria Geral do Trabalho aponta que são 180 pontos de vulnerabilidade no Ceará. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) também contabilizou em parceria com a Fundação Childhood Brasil esses locais e concluiu que os pontos se concentram em 27 cidades do Estado.


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É sabido que crianças e adolescentes, principalmente aqueles em situação de pobreza, acabam inseridos no mercado de trabalho precocemente. Um estudo divulgado há 13 anos já mostrava que a maior incidência de vítimas de exploração sexual eram mulheres provenientes das classes de baixa renda, moradoras das periferias dos centros urbanos e fora da escola.

Neste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmou que existem fatores de vulnerabilidade que incidem diretamente sobre o problema, aumentando os casos de violação de direitos: "Dentre os principais estão a pobreza, a exclusão, desigualdade social, questões ligadas à raça e etnia. Além disso, a falta de conhecimento sobre direitos assegurados a crianças e adolescentes também contribui para o aumento das violações. Entre os casos registrados, um ou mais desses fatores estão quase sempre presentes".

Mesmo tendo traçado o perfil do público-alvo deste crime, as autoridades têm dificuldade de investigar e comprovar a prática do delito. A delegada titular da Dceca, Aline Moreira, conta que ao chegar à Delegacia, é comum ouvir as vítimas justificando: "mas eu só estava trabalhando".

A investigadora explica que o termo prostituição não pode ser empregado para os menores porque, baseado no ordenamento jurídico, uma criança ou um adolescente não tem discernimento suficiente para optar ou não pela venda do corpo.

"Não posso dizer que estão lá porque querem. Muitas vezes, estas pessoas vêm de famílias desestruturadas e não enxergam outra opção"
Na Delegacia Especializada não há registro que, atualmente, no Ceará exista um grande esquema de aliciamento. Aline garante que os últimos casos investigados foram pontuais. Denúncias deste tipo de crime ocorrendo no entorno das praias, regiões turísticas ainda são comuns, mas, a Dceca aponta que é nas periferias da Capital onde, ultimamente, se verificam ocorrências de exploração.

"Quando verificamos, na orla costumam ser vistos mais os maiores de idade. 90% das denúncias que chegam até nós de exploração sexual são infrutíferas. As equipes vão até o ponto de exploração, mas lá há mulheres acima de 18 anos. Mesmo os estabelecimentos que antes eram coniventes com essa prática, passaram a não mais aturar porque podiam ter prejuízo. O número é baixo, mas não significa a quantidade de crimes praticados", afirma a delegada.


De acordo com a Dceca, o fato dos pais, muitas vezes, serem coniventes com a exploração sexual dos filhos também está ligado à questão social. A família chega a acreditar que o criminoso faz o bem porque em troca do sexo dá cestas básicas ou até paga o colégio da criança abusada.

A dificuldade em comprovar o envolvimento do aspecto financeiro inviabiliza para as autoridades conseguirem fazer o indiciamento por exploração.

"Estatisticamente, a exploração sexual fica lá embaixo porque muitas vezes acabamos indiciando por estupro de vulnerável", constata a delegada.

A exploração sexual é crime previsto no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação também prevê que é crime o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual com pena de dois a cinco anos de reclusão. Também é ilegal manter estabelecimento no qual ocorra a exploração. Os culpados podem passar, no mínimo, quatro anos na prisão.



Fonte: Diário do Nordeste

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