sábado, 26 de outubro de 2019

Registro de crimes sexuais em setembro é o maior dos últimos três anos no Ceará



O Ceará teve, em setembro deste ano, o maior número de registros de crimes sexuais dos últimos três anos, período no qual os dados relativos a esses delitos começaram a ser publicados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). No último mês, foram 198 casos relatados às autoridades de segurança, uma média de quase sete crimes sexuais por dia.

O mais próximo que se chegou foi em agosto deste ano, com 193 registros, e outubro de 2018, com igual quantificação. No acumulado de 2019, entre janeiro e setembro, já foram contabilizados 1.478 crimes sexuais - que englobam estupro, estupro de vulnerável e exploração sexual infantil. Este ano apresenta 102 casos a mais do que os relatados em 2018 e 150 superiores aos valores registrados em 2017.

De acordo com a socióloga Irlena Malheiros, do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), os números captados pela Secretaria da Segurança, embora altos, ainda apresentam subnotificação. “Quando se pensa em 198, no Ceará, em setembro, isso eu diria que é muito subnotificado porque a grande maioria das mulheres e das crianças não denunciam”, argumenta.

A pesquisadora estima que os registros de crimes sexuais são, pelo menos, 30% superiores e acrescenta que o aumento não significa, necessariamente, que houve mais estupros, por exemplo, mas que pode ter havido maior quantidade de denúncias. “Alguma campanha realmente pode ter surtido algum efeito, mas não vi nenhuma com impacto suficiente pra que isso acontecesse. Pode ter acontecido, também, uma maior ação da polícia”, sugere a especialistas apontando para possíveis ações que resultaram no aumento.

Em nota, a SSPDS informou que o aumento de casos “se deve também à ampliação dos canais de denúncia disponibilizados para a população, além de campanhas de incentivo à denúncia”. Segundo o órgão, “suas vinculadas realizam trabalhos contínuos para combater crimes sexuais no estado com ações para prevenir esses tipos de delitos, por meio de trabalho investigativo e de inteligência”.

Direito
Conforme a defensora pública Jeritza Braga, que supervisiona o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem), atualmente, há maior compreensão feminina sobre os abusos causados e um empoderamento que só cresce. “A população está começando a dar esse olhar mais cuidadoso pras mulheres, com campanhas de maior visibilidade, ações, e isso é muito positivo para que elas tomem conhecimento”, explica.

Segundo Jeritza, o conhecimento da legislação pode ajudar essas mulheres vítimas a conhecerem seus direitos, pois “a lei só vai mudar uma sociedade quando as pessoas tomarem conhecimento, tiverem educação e souberem dos seus direitos pra poder efetivá-los. Muitos dos nossos direitos de hoje não são sequer bem conhecidos, então como você vai efetivar um direito que você nem sabe se tem?”, questiona.

As denúncias de crimes sexuais podem ser realizadas em unidades especializadas como a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) e a Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), a depender da idade da vítima, se criança, adolescente ou adulta. A população também pode denunciar por meio do Disque 100 ou do Disque Denúncia da SSPDS pelo número 181. Sigilo e anonimato são garantidos.

O que falta
Para atender crianças e adolescentes que foram vítimas de crimes sexuais, a assessora técnica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Marina Araújo, afirma que faltam casas de apoio para este público, bem como uma rede bem estruturada para fortalecer a responsabilização dos agressores. Segundo ela, “não há prevenção nem debate e fortalecimento da vítima para a denúncia. Os canais precisam estar bem fortalecidos, assim como o próprio sujeito precisa ser fortalecido”, ressalta Marina ao ressaltar a importância de dedicar um orçamento público específico para a área.

“A gente acredita que o orçamento público tem que garantir essas políticas. A política pública tem que ter medidas de urgência, como de cessação da violência, como também de reparação dos direitos das vítimas”, explica a assessora técnica do Cedeca. A Secretaria da Segurança afirmou, em nota, que os atendimentos “são realizados por policiais civis e pela equipe do Programa Rede Aquarela, composta por psicólogos e assistentes sociais.”

Já para a defensora Jeritza Braga, é necessário que o enfoque de campanhas de conscientização também seja direcionado ao masculino . “A gente tem o olhar voltado muito pras mulheres, isso é muito bom, muito positivo, que são vítimas, é claro, elas têm que ser as primeiras a serem cuidadas, mas a gente não pode esquecer do próprio homem, do agressor. Podemos trabalhar com campanhas, políticas, educação a partir do momento que eles começam a ir à escola, já crianças”, argumenta.

A opinião é compartilhada pela socióloga Irlena Malheiros. Segundo ela, além dessas ações de prevenção para mulheres e homens, é preciso pensar na discussão da educação sexual na infância e na adolescência a fim de mostrar à criança e à adolescente que “o corpo é dela e ninguém pode tocar sem sua permissão”.

Além disso, Irlena também acredita que o sistema de repressão pode melhorar, com maior difusão de delegacias especializadas e formação voltada a esses públicos aos policiais que atuam na área. “A polícia tenta fazer, só que tem uma estrutura muito ineficaz. Eles são preparados para atirar, combater o crime na rua, mas não são para atender a esses crimes mais assistenciais, de bater numa mulher, eles aprendem na prática, com pessoas mais velhas”.

A SSPDS disse que há dez delegacias voltadas para a defesa da mulher no Ceará, que “possuem corpo profissional dotado com policiais capacitados". Segundo a secretaria, “a Polícia Civil busca a qualidade do atendimento especializado e humanizado ao capacitar os policiais com treinamentos continuados para lidar com esse tipo de ocorrência”.

A Secretaria ainda destacou a existência do Núcleo de Atendimento Especial à Mulher, Criança e Adolescente (Namca), da Perícia Forense do Ceará. O serviço atende, em média, 100 vítimas a cada mês, das quais 90% são mulheres, nas seis unidades disponibilizadas no estado.


Por Cadu Freitas, G1 CE

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