segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Escolas de Sobral, no Ceará, registram seis casos de violência sexual só neste ano; professores e funcionários são suspeitos



O Conselho Tutelar de Sobral, município referência em educação no país, a 230 quilômetros de Fortaleza, recebeu, nos últimos três anos, nove denúncias envolvendo violência sexual contra crianças e adolescentes dentro de unidades escolares do município. Os abusos acometeram alunos de 3 anos de idade a adolescentes de 15 anos e aconteceram duas vezes em 2017, uma em 2018 e seis em 2019.

Os casos envolvem desde crimes com violência física a assédios sexuais através de mensagens, toques e tentativas de forçar contato físico. De acordo com as denúncias, os suspeitos são um zelador de uma creche, sete professores e uma professora. Segundo a Secretaria da Educação de Sobral, os funcionários foram afastados. Parte das ocorrências já foi denunciada pelo Ministério Público à Justiça e as demais são investigadas pela polícia. Até agora, ninguém foi preso.

Um dos últimos casos registrados é de um menino que, na época, tinha nove anos. Ele começou a apresentar, desde o final de 2018, dificuldade de controlar as necessidades fisiológicas e passou a sujar as roupas. No começo, a avó, de 63 anos, que tem a guarda da criança, não entendia. “Eu confesso que batia nele, reclamando, para ele se educar. Ele dizia pra mim que não dava tempo chegar no banheiro”.

Além disso, a criança mudou de comportamento. “Ele não ‘tava’ mais querendo comer, ficava triste pelos cantos”, relata a idosa. Depois de insistir, em julho, a avó conseguiu que o neto denunciasse o que estava acontecendo. “Ele contou que o professor, quando terminava as aulas, dizia ‘não vai não, vou te ensinar, porque tu tá muito atrasado'”. Mas durante as supostas aulas de reforço, estuprava o menino.

“Ele relatava pra mim que praticava sexo com ele”, afirma a avó. Os estupros vinham acontecendo há meses, mas a criança não tinha coragem de denunciar porque sofria ameaças do professor que usava, inclusive, arma de fogo. O homem também utilizava uma insígnia do conselho tutelar e dizia ao menino que, caso ele contasse sobre o crime, “ia tomar a guarda” da avó. A criança vive com a idosa porque a mãe está em situação de rua e é dependente química, e o pai está preso.

A família denunciou o caso ao Conselho Tutelar, em agosto e, de lá pra cá, a criança já foi submetida a diversos exames físicos. De acordo com o conselheiro Sândalo Augusto, que acompanha o caso, os peritos da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) não conseguiram confirmar se houve violência física.

No início do mês, a criança realizou um novo exame e a família ainda não recebeu o resultado. “Na minha concepção, ele precisa de um acompanhamento não só clínico, mas também, psicológico”, afirma Sândalo. O menino está sendo tratado no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), de Sobral.

De acordo com Herbert Lima, secretário de Educação de Sobral, foram seguidos todos os procedimentos previstos em lei para o caso. Como o professor é funcionário efetivo do município, foi afastado durante 60 dias, período previsto no Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Passado esse prazo, ele se reapresentou à prefeitura, mas vai continuar afastado. O secretário explica que ele “apresentou laudo médico de afastamento. Segundo ele, por estar sofrendo acusações indevidas, tem sofrido também um processo de depressão e solicitou, junto ao INSS, um afastamento pra tratamento de saúde”.

Atualmente, o processo tramita na segunda vara criminal de Sobral. O inquérito foi enviado à Justiça com pedido de extensão de prazo. O Ministério Público aguarda o fim das investigações.

Para a família, a situação tem sido devastadora. A avó, que já era atendida por depressão no Centro de Atenção Psicossocial da cidade, chegou a ter um surto e ficar internada. Ela também cuida da irmã de sete anos do menino. “Eu tinha aquela vontade de viver, eu não tenho mais, estou abatida, sinto muita pena do meu neto", relata.

Sequência de casos
Dos seis casos denunciados em 2019, cinco aconteceram em escolas públicas. Em outubro, o G1 denunciou o caso de uma criança de 3 anos estuprada dentro de uma creche municipal. O suspeito, um zelador que é funcionário concursado da prefeitura, aproveitou um momento em que, por distração, a criança ficou sozinha no parque da unidade, para violentá-la.

Ele está afastado da escola e foi indiciado pela polícia. O Ministério Público está elaborando a denúncia com base no artigo 217 do Código Penal, que versa sobre estupro de vulnerável.

Em outra escola municipal, um professor já foi denunciado pelo Ministério Público, este ano, por estupro de vulnerável. As investigações mostram que ele trocava mensagens com uma aluna de 12 anos, com elogios e conversas de teor sexual. O homem chegou a levar a adolescente para um motel. Segundo documento obtido pelo G1, “o professor tentou fazer sexo com a mesma [a aluna] mas ela não permitiu ficando só em beijos e abraços”. O Código Penal brasileiro considera que esse tipo de conduta com menores de 14 anos, mesmo que seja consentida, é crime de estupro.

O processo está na primeira vara de Sobral e o homem teve a pena aumentada pelo fato de ser professor e usar o cargo para obter vantagens, ou, como diz o Código Penal, “exercer autoridade” sobre a vítima. Ele foi demitido da escola, de acordo com a prefeitura, por ter contrato temporário, mas aguarda os próximos passos do processo em liberdade.

Outro caso aconteceu na zona rural do município, em agosto deste ano, no distrito de Aprazível. A família denunciou que um professor estava assediando sexualmente a aluna de apenas 14 anos. O caso foi encaminhado à Delegacia da Mulher, mas o inquérito aguarda o interrogatório do investigado que está, atualmente, no Rio de Janeiro. Uma carta precatória já foi enviada a ele. O professor também foi demitido.

O Conselho Tutelar também recebeu um caso que envolve uma professora numa escola particular. Depois de denúncias feitas pelos amigos do filho, uma mãe flagrou o adolescente de 14 anos na casa da professora, onde a família acredita que aconteceu o abuso sexual. Mas tanto o aluno quanto a professora negam. De acordo com depoimento dado à polícia, ela disse à mãe que levou o estudante para a casa dela “para conversar” porque “era muito próxima” do aluno. O caso segue sob investigação.


Por Kilvia Muniz, G1 CE

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