terça-feira, 12 de novembro de 2019

Interceptações telefônicas indicam que policial civil ajudava traficantes de facção criminosa no Ceará



Uma investigação realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), aponta que traficantes de uma facção criminosa paulista pagavam valores mensais a policiais que atuavam no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Em troca, o tráfico de drogas era permitido na área. Os fatos teriam acontecido em 2015, segundo a apuração do MPCE.

Por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça foi possível ao MPCE instaurar um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) contra a inspetora Vitória Régia Holanda da Silva. Vitória era lotada no 12º Distrito Policial, do Bom Jardim, e é acusada de colaborar com traficantes e depois extorqui-los. O G1 entrou em contato com a acusada, que nega as acusações.

Em fevereiro deste ano, a Justiça cearense acolheu a denúncia contra a inspetora e determinou que ela fosse suspensa imediatamente das suas funções. Na semana passada, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) instaurou processo administrativo disciplinar para apurar a conduta da policial.

Conforme denúncia do MPCE, interceptações telefônicas do número de Francisco Márcio Teixeira Perdigão, chefe do tráfico no Bom Jardim, mostraram que ele e Vitória mantinham negócios.

Vitória Régia relatou ao G1, que Márcio Perdigão falou sobre ela nas ligações sabendo que estava sendo interceptado e, assim, optando por se vingar dela: "Ele morava [no bairro] Granja Portugal e atuava lá. São bairros vizinhos. Com a nossa atuação significativa, as cabeças do tráfico, na época, se chateavam. Eles têm uma visão que a polícia na área está atrás de dinheiro, mas não. Eu amo o que eu faço. O argumento dele é dizer que eu pedia dinheiro nas interceptações, mas não existe nenhum áudio meu nas conversas", disse a policial.

Acusações
Em um trecho da denúncia apresentada pelo MPCE, há que: "com dinheiro em mãos e na certeza da impunidade, Vitória e sua equipe deixariam os membros da organização criminosa citada 'trabalhando' desembaraçadamente, distante dos olhos da lei."

Em outra conversa anexada ao processo há detalhes do consórcio liderado por Márcio Perdigão. O traficante cita que vai "levar uma proposta pros caros", se referindo a uma reunião com os policiais. O faccionado cita o nome da inspetora Vitória afirmando ter ido conversar com ela para propor pagamentos mensais: "Ainda tem ela lá, que no mínimo tem que dar dois conto pra ela... três por mês..."

Possivelmente não satisfeita com o valor, Vitória estava ordenando diligências nas áreas comandadas por Perdigão. O traficante chegou a pedir que sua advogada, identificada como Alexandrina, e o seu estagiário, um ex-policial militar chamado Dickson, conversassem com Vitória e avisassem que, se ela continuasse extorquindo os integrantes do grupo criminoso, sofreria consequências.

"Se aquela mulher lá ficar me perturbando, que nem ela está querendo me perturbar, pressionar, eu vou pegar o moleque tudim lá e vou mandar os moleques cortar ela na bala tudo de pistola, botar bala dentro do carro dela, no para-brisas, embora que eu não trabalhe mais lá naquela rua...(...) eu faço a cruzeta maior da minha vida com ela, macho...", conforme um dos trechos ditos por Perdigão na ligação. Ainda no mesmo dia, o traficante disse ter mandado um recado para ela e, em resposta, Vitória teria dito que "ia dar uma aliviada".

Segundo a servidora, ela teve sua linha telefônica interceptada, no entanto, nenhuma conversa dela com Perdigão foi encontrada. "Nunca recebi dinheiro. Tenho dívida para pagar e quero mostrar minha inocência. É uma vergonha, um tormento. Tenho 13 anos de Polícia Civil. Ninguém nunca me perguntou sobre as ameaças que ele me fazia", afirmou a inspetora.

Por Emanoela Campelo de Melo, G1

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