sábado, 1 de fevereiro de 2020

Pelo menos nove LGBTIs já foram assassinados no Ceará em 2020

Pelo menos nove pessoas LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) foram assassinadas durante o mês de janeiro deste ano, no Ceará. Desde o 1º dia de 2020, o Sistema Verdes Mares vem realizando uma contabilização de homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, cujos alvos são pessoas dessa comunidade.
O levantamento identificou mortes em Fortaleza e nos municípios de Quixadá, no Sertão Central; Independência, no Sertão de Crateús; e Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Contudo, nenhum dos casos ainda pode ser considerado com motivação LGBTfóbica e calculado como crime de ódio em decorrência de orientação sexual/identidade de gênero, uma vez que as investigações sobre a maioria estão ocorrendo.
Dos nove casos identificados, sete deles foram descartados pela Polícia Civil como sendo motivados por LGBTfobia. Um deles está na fase de finalização do relatório policial e ocorreu no município de Independência no dia 25 de janeiro. A vítima foi Elinaldo da Silva Januário, de 31 anos, cujo algoz foi o próprio namorado.
O outro crime ainda está em apuração, inclusive, a identidade da vítima nem sequer foi descoberta. O caso ocorreu na noite do dia 6 de janeiro, no Centro de Fortaleza, e teve como alvo uma travesti.
Pontos de vista
A coordenadora executiva da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da Prefeitura de Fortaleza, Dediane Souza, pondera que esses crimes precisam ser analisados por diversos vieses. "A gente precisa discutir que esses homicídios com atravessamento da LGBTfobia precisam ter esse olhar sobre eles. Se a gente esquece esse olhar, estamos tratando como se fosse um simples homicídio e na verdade, não se trata disso", pontua.
Segundo a coordenadora, "o assassinato é a culminância do contexto de violência que a população LGBT sofre", acredita, ao passo que explica que o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra é um dos equipamentos disponibilizados pela Capital para atendimentos à comunidade.
Para o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Ceará (OAB-CE), Júlio Figueiredo, além da marginalização imposta ao grupo, há subnotificação nos casos. "Eu tenho certeza de que o número é, infelizmente, bem maior. Desses (nove homicídios), nem todos vão ser classificados como LGBTfobia, no entanto, tem muitos outros assassinatos por LGBTfobia que não são notificados".
Segundo Júlio, um caso clássico é o da travesti Dandara dos Santos, morta e torturada em 2017, cujo relatório policial não considerou transfobia. "Nós sabemos que existem motivações LGBTfóbicas, só que muitas vezes, o LGBT chega à delegacia e, quando ele deveria receber o apoio do Estado, sofre mais preconceito", destaca.
Qualificação
De acordo com a diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Rena Gomes, os dados relativos aos homicídios de pessoas LGBTI+ em janeiro deste ano, só podem ser divulgados após a análise mensal.
Segundo ela, "essas estatísticas são proferidas pela Secretaria de forma muito responsável para que se possa fazer o recorte efetivo do que se concretiza como violência específica à população LGBTQI+". A diretora destaca ações do órgão, como o atendimento a mulheres trans nas delegacias da Mulher em situação de violência doméstica ou familiar, a inclusão do campo de orientação sexual/identidade de gênero no Sistema de Informações Policial (SIP), em junho de 2019, e a nomeação de uma Comissão especial para auditar estatísticas e casos possíveis de LGBTfobia.
Conforme Rena Gomes, a questão da formação policial para o atendimento diferenciado também está sendo trabalhada na Secretaria. "Nós pretendemos cada vez mais oferecer esse atendimento à comunidade LGBTQI+ e estão sendo propostas várias turmas de capacitação, não só para policiais civis, mas para militares, técnicos da Pefoce, enfim, todos os agentes de segurança", diz.
Obrigatoriedade
A opinião dos representantes da comunidade LGBTI+ converge com as propostas da SSPDS. Contudo, dos nove assassinatos ocorridos neste ano cujas vítimas tinham sexualidades LGBTs, o Sistema Verdes Mares teve acesso a documentos de três inquéritos policiais. Em nenhum deles, há qualquer referência direta à sexualidade das vítimas, existem apenas relatos em depoimentos e nos relatórios que consideram o que foi dito nas oitivas.
Conforme o coordenador estadual da Aliança Nacional LGBT, Italo Alves, ainda há muitos obstáculos de erro humano e cultural. "Muitas vezes, o escrivão não quer marcar a opção de orientação sexual/identidade de gênero ou porque não tem entendimento ou por resistências pessoais", assinala. Para ele, os campos em questão deveriam ser obrigatórios.
"O Governo precisa investir em educação da sociedade para que ela saiba que é importante notificar e, só assim, vamos conseguir gerar políticas públicas efetivas", argumenta o coordenador da Aliança Nacional. A diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis, Rena Gomes, afirma que a obrigatoriedade já é um consenso. "Tudo isso está sendo trabalhado nessa comissão, através das tratativas de mudança no Sistema de Informações Policiais para que a gente possa gerar estatísticas mais qualificadas", diz.
Casos
A SSPDS enviou nota sobre cada um dos casos citados. Para o órgão, as apurações acerca do crime que vitimou Dennis Pires do Nascimento concluíram que houve um latrocínio.
Sobre as vítimas Kathly Anny Freitas da Silva e Laura Adriana Freitas Carneiro, o órgão afirma que "a partir do que foi apurado até o momento, a motivação do crime seria disputa entre grupos criminosos". Com relação à travesti, ainda sem identificação, "até o momento, a motivação seria uma possível desavença com criminosos na região".
No caso que apura o assassinato de Francisco Rodrigues da Silva Júnior, a Secretaria disse que capturou o autor da morte, que "foi relatada como homicídio por motivo fútil, uma vez que o crime ocorreu após uma discussão".
A motivação, segundo a SSPDS, para a morte de Camila Veras da Silva, seria "uma possível dívida com o tráfico de drogas". Sobre Francisco Gleison Barros de Sousa, o "Pirangay", dois adolescentes foram presos, e "a motivação do crime foi uma discussão entre vítima e suspeitos durante um ato sexual".
Com relação a Elinaldo da Silva Januário e Carlos Alberto Silvino Fonseca, a Polícia Civil ainda está realizando investigações para entender as motivações.

Fonte: Diário do Nordeste

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