segunda-feira, 6 de julho de 2020

Cearenses recuperados da Covid-19 voltam a ter sintomas após meses da infecção



Até dois meses após contraírem o novo coronavírus, pacientes continuam apresentando sintomas ou voltam a ter manifestações da Covid-19 no Ceará. Infectologistas ainda estudam se há possibilidade de reinfecção e de transmissão da doença da doença por pessoas recuperadas.

No Ceará, mais de 95 mil pessoas já foram recuperadas da doença, considerando apenas quem foi hospitalizado, conforme dados do Integra SUS, da Secretaria da Saúde (Sesa). Apesar disso, mesmo após superarem os quadros médios ou graves da doença, cerca de quatro a cada dez pacientes veem reacender a preocupação com a infecção.

A atendente de clínica de fisioterapia Keila de Lima, 39, ainda sente os efeitos do vírus, pouco mais de um mês após testar positivo para o Sars-CoV-2. Em maio, ao manifestar sintomas, ela recorreu a uma consulta médica e realizou o exame para constatar a doença. Já em julho, o cansaço e a tosse ainda são persistentes.

“Comecei sentindo dor de cabeça, tive três dias de febre muito alta, suando muito, além de diarreia e vômitos. Logo procurei um médico, que me recomendou fazer o exame”, relembra. Para o diagnóstico, Keila fez o teste RT-PCR, que coleta amostras de secreção nasal, um dos mais indicados para realização durante o período ativo do vírus.

A atendente permaneceu em quarentena por 15 dias, tratada com medicamentos prescritos pelo médico. Depois, retornou ao trabalho normalmente. O problema é que, ainda hoje, convive com os sintomas da doença.

“Não tenho a disposição que tinha antes, me canso muito rápido. Atividades básicas, como varrer a casa e passar pano, não consigo mais fazer como fazia antes. A tosse aparece só em alguns momentos, quando ando muito e canso, aí começo a tossir”, lamenta.

Manifestações
Conforme boletim epidemiológico mais recente da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), divulgado em 1º de julho, mais de sete a cada dez (75,5%) pacientes hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Estado apresentaram falta de ar como sintoma mais forte. Outras das principais manifestações apresentadas por pessoas infectadas pelo novo coronavírus são febre (74,4%), tosse (74,4%), desconforto respiratório (52,2%) e queda da saturação de oxigênio (50,9%).

Uma característica que não aparece nos números, mesmo sendo bastante frequente, é a perda temporária do olfato e do paladar – problema que afetou e ainda deixa sequela no designer Kevin Maciel, 24, dois meses depois do aparecimento dos sintomas. O jovem nunca foi testado para a doença, mas provavelmente aumentaria em um dígito os 1.610 casos confirmados até o domingo (5) no município de Maranguape, onde mora, na Região Metropolitana de Fortaleza.

“Tive tosse seca, febre e perda total de olfato e paladar, além das dores leves no corpo. Comecei a sentir na última semana de abril. Acho que realmente foi o coronavírus, porque tive sintomas bem típicos. E eu nunca tinha perdido olfato e paladar, foi uma sensação bem estranha. Mesmo dois meses depois, ainda tenho tosse seca, de vez em quando, e a falta de olfato, que sinto ainda não ter recuperado 100%”, descreve.

A infectologista Melissa Medeiros, que atua no Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) e coordena o Ambulatório de Infectologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), ambos em Fortaleza, acompanha casos de pacientes com sintomas persistentes, e explica que “quem tem sintomas leves demais pode persistir com vírus ou restos virais por mais tempo, o que pode gerar um processo de inflamação mais crônica”. Ela compara a situação ao que aconteceu com a chikungunya, quando pessoas acometidas pela arbovirose continuaram sentindo fortes dores nas articulações.

Melissa reforça, porém, que não se trata de uma nova infecção pelo coronavírus, mas sim de processos inflamatórios causados por resquícios do micro-organismo que podem permanecer em órgãos como o pulmão, por exemplo, devido ao fato de não existir nenhum antiviral efetivo contra o Sars-CoV-2 até o momento.

‘Reteste’ positivo
Keny Colares, também infectologista do HSJ, confirma que “cerca de 40% dos indivíduos continuam tendo sintomas por períodos bem prolongados, principalmente no pulmão, no período que se segue à fase aguda” da doença, mas afirma que “pelo fato de essa ‘realidade pós-Covid’ ser muito nova, ainda é uma grande interrogação”.

O médico aponta que “outra questão é que pessoas cujos exames deram negativo, no momento da alta hospitalar, voltam, lá na frente, a testar positivo. Precisamos entender se isso é falha dos testes ou se o vírus se reativa”.

De acordo com o infectologista, ainda não é possível afirmar se um paciente pode contrair o novo coronavírus pela segunda vez nem se alguém que volta a apresentar sintomas é capaz de transmitir a doença a outras pessoas. “Alguns casos estão sendo discutidos em Fortaleza, a Sesa já reconheceu que existem. Um comitê está trabalhando nessas questões e deve divulgar orientações oficiais.”

“Existem cenários ainda não investigados. Por isso que a orientação é que mesmo quem já teve a doença continue tomando as mesmas medidas que todos, porque não sabemos até que ponto ela pode retornar”, alerta Keny Colares.

Acompanhamento
A médica Melissa Medeiros reitera que o acompanhamento clínico dos casos é importante para avaliar a possibilidade de infecção de outras pessoas, já que ainda não se tem conhecimento sobre quanto tempo o vírus é capaz de sobreviver e de infectar quando continua aparecendo positivo nos testes.

“Quando o PCR dá positivo, não necessariamente quer dizer que os vírus continuam se multiplicando e infectando outras pessoas. O que pode acontecer é ele persistir por mais tempo, e a gente só saberia disso se coletasse o PCR e fizesse uma cultura in vitro das células, para descobrir se continuam se multiplicando ou se são apenas restos virais”, sugere.

Diante da persistência dos sintomas, Melissa afirma que é feito um acompanhamento médico e que o recomendado é refazer os exames. Já o infectologista Keny Colares reconhece que o cenário no Brasil e no Ceará é mais complicado.

“A utilização desses testes para fazer acompanhamento de PCR entre nós não é tão farta como em outros países. Não temos condições de ficar fazendo teste de todo mundo o tempo todo, para verificar as mudanças de resultado. Por isso, recomendamos que as medidas de prevenção sejam mantidas”, finaliza.


Por Theyse Viana e Lívia Carvalho, G1 CE

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