segunda-feira, 30 de março de 2020

Auxílio injetará mais de R$ 1,2 bilhão no Ceará, mas não recompõe salários



O auxílio mensal de R$600 para socorrer trabalhadores informais, que deve ser votada hoje (30) pelo Senado, deve injetar na economia cearense algo em torno de R$ 1,2 bilhão por mês. Apesar de ser um montante alto, o valor fica abaixo da média salarial desses empregados no Estado, que é de mais de R$ 1,7 bilhão, segundo dados de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com a Pnad, o Ceará tem atualmente mais de 2 milhões de trabalhadores informais, uma taxa média de informalidade de 54,9%.

A ajuda para os trabalhadores vem em um momento em que o País atravessa a pandemia do novo coronavírus, causando crise econômica em diversos setores e aprofundando ainda mais a precariedade das condições de vida de milhões de pessoas no Ceará. Para Erle Mesquita, analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento de Trabalho (IDT), o auxílio proposto ainda não é o ideal, mas é um primeiro passo.

"Essa crise é uma crise duradoura. Apesar ou não do debate do isolamento social, essa crise vai ter um impacto econômico profundo, e quem mais perde com esse processo são os informais. Esse auxílio é uma iniciativa, mas não é o suficiente. Eu acho que é um começo para pessoas terem o mínimo do mínimo".

Segundo ele, são necessárias políticas mais profundas para reduzir a quantidade de trabalhadores nessa situação, além de um acordo tripartite entre governos, entidades patronais e trabalhistas para a construção de uma estratégia única. "O primeiro aspecto é ter esse acordo. Como as atividades estão suspensas, e mesmo que volte ao normal, vai ter uma queda drástica na economia. A demanda vai ter queda muito forte".

Mesquita também afirma que não há como comparar o valor injetado na economia - a partir do auxílio do Governo Federal - com a massa salarial. "A massa salarial do Ceará chega a R$ 5 bilhões ao mês. Esse é um recurso que vai retroalimentar a economia e dar subsistência para as pessoas", acrescenta.

Papel importante

Para o professor do Departamento de Economia Aplicada da Universidade Federal do Ceará (UFC), Almir Bittencourt, a economia precisa neste momento dar suporte aos informais, desempregados e vulneráveis. "Isso (o auxílio de R$ 600) permite que essas pessoas tenham uma fonte de renda, mesmo que seja o mínimo necessário. As empresas estão fechando, o desemprego está aumentando, a situação do País está complicada. É uma medida que já devia ter sido adotada desde o início. É um papel preponderante do Governo", avalia.

Segundo Bittencourt, depois da crise gerada pelo novo coronavírus, o Governo precisa criar mecanismos para reduzir o número de informais e desempregados no País. "O Governo tem instrumentos de política econômica que são adequadas, como expansão do crédito para pequenas empresas, crédito para produção. O Governo tem que agir na ampliação do investimento em infraestrutura, principalmente, em saneamento", diz ele, ao acrescentar ainda a ampliação do prazo para o pagamento de empréstimo e o alívio dos impostos na folha de pagamentos.

O professor também argumenta que o auxílio proposto é um alento para a economia cearense. "Tem um impacto econômico. A gente vê uma quantidade de trabalhadores informais muito grande. Essas pessoas continuam lutando mesmo com a epidemia. O Estado é pobre e precisa de um suporte como esse para a população ter o mínimo para sobreviver. É uma medida emergencial. É importante ainda que todos os níveis de Governo atuem no sentido de restabelecer as condições necessárias para que a população possa dar seguimento à vida", completa.

Realidade

A condição de informalidade é uma realidade para milhões de cearenses. A diarista Benedita Barbosa, 36 anos, diz que ficou sabendo do auxílio do Governo Federal pelos jornais, mas que ficou um pouco receosa. "Eu já recebo Bolsa Família e eu acho que preciso desistir do Bolsa Família para aderir a esse outro programa. Ia ser uma ajuda boa e desde a semana passada eu não saio de casa. Estou parada e eu recebo R$120 a diária, e trabalho de segunda a sábado", afirma.

Apesar do receio de Benedita e de muitas pessoas, pelo texto do projeto de lei será permitido a duas pessoas de uma mesma família acumularem benefícios: um do auxílio emergencial e um do Bolsa Família. Se o auxílio for maior que a bolsa, a pessoa poderá fazer a opção pelo auxílio.

Benedita diz que nunca procurou se formalizar. "Por falta de informação mesmo. Eu até já vi passando na TV essas coisas de formalização. Eu ainda não tentei, porque são tantos problemas para resolver. Mas eu já estou procurando pagar o INSS como autônoma". Ela ainda conta que optou por ser diarista porque pode ganhar mais no fim do mês. "Eu não tenho mais interesse em ter carteira assinada".

Necessidades básicas

A mesma situação é compartilhada pelo cabeleireiro Olivenício Coelho, de 41 anos. Ele conta que o auxílio não cobriria todas as despesas da família dele, que inclui cinco pessoas, mas que daria para suprir as necessidades básicas. "Eu acho que eu e minha esposa podemos receber essa ajuda. Ela é muito bem-vinda. Nós temos o Bolsa Família, mas só recebemos R$ 212".

Ele diz ainda que já está tentando se formalizar, mas primeiro quer pagar todas as contas. "Eu estava me organizando justamente para me formalizar. Procurando pagar os cartões para poder começar a levantar o capital de giro. Eu já tenho Crediamigo (financiamento por meio de um dos programas de microcrédito do Banco do Nordeste), e agora eles prorrogaram a próxima parcela para outubro".

Cancelamentos

No local de trabalho, os poucos clientes que ele tinha cancelaram por causa do novo coronavírus. "Na primeira semana foi cruel. Eu tinha cartão e energia para pagar e não tive dinheiro. Eu estava até sem dinheiro para pagar o leite dos meus filhos. Eu sou a favor da quarentena, mas nem todo mundo pode ficar de quarentena. Todos os dias eu tenho que sair. Tem dias que a gente entra em desespero sem saber o que vai fazer. O psicológico fica abalado", desabafa.


Fonte: Diário do Nordeste

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