terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Falta de vacina pentavalente deixa média de 18 mil crianças sem imunização em Fortaleza



A irregularidade no repasse da vacina pentavalente e das doses de reforço, que afeta os estados brasileiros desde agosto de 2019, se estendeu para 2020: cerca de 18 mil bebês estão sem a proteção em Fortaleza, expostas a pelo menos cinco doenças graves, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Segundo a coordenadora de imunizações da SMS, Vanessa Soldatelli, o Ceará chegou a ficar dois meses sem receber nenhum repasse do Ministério da Saúde (MS), o que gerou a demanda reprimida. “A pentavalente veio mês sim, mês não. Foram dois meses sem a chegada da vacina, e 9 mil bebês deixaram de ser vacinados em cada um. A DTP (reforço) veio até agosto, depois não veio mais. Mas a maior preocupação é com a penta, porque ela é a primeira proteção dos bebês contra as infecções”, alerta.

O Ministério da Saúde informou, em nota, que “a remessa de vacina pentavalente, adquirida por intermédio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), foi reprovada em teste de qualidade feito pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)” e, por este motivo, “as compras com o antigo fornecedor, a indiana Biologicals E. Limited, foram interrompidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”.

O abastecimento deveria ser normalizado em novembro do ano passado, aponta o MS. A coordenadora de imunizações de Fortaleza, porém, afirma que a gestão municipal “recebeu, em janeiro, apenas a quantidade de rotina normal para um mês”: 9 mil doses de pentavalente e 5 mil da DTP, repasse ainda insuficiente para a demanda retroativa. Para todo o Ceará, conforme a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), foram enviadas 83.500 doses da vacina pentavalente e 60.840 da DTP, de agosto até janeiro de 2020.

A vacina pentavalente é obrigatória no Calendário Nacional de Vacinação, e deve ser aplicada nas crianças aos dois, quatro e seis meses de idade, prevenindo contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenza tipo b, que pode causar meningite e outros tipos de infecções. Já as doses de reforço ou “complementações” são feitas por meio da vacina adsorvida difteria, tétano e pertussis (DTP), voltada a crianças a partir de 1 ano.

Procura por postos
A professora Railane Morais, 35, precisou “madrugar” para conseguir uma dose para o bebê Igor, de 3 meses, em um posto de saúde do bairro Lagoa Redonda, n periferia da cidade. “Chegaram só 50 doses no posto, semana passada: madruguei e consegui. Procurei em vários cantos, por praticamente um mês, e vi várias mães com bebês de até 5 meses que nunca tinham tomado. Só diziam que não tinha previsão”, relata.

Recorrer às clínicas particulares foi a saída encontrada pela dona de casa Ana Karine Batista, 40, após dois meses peregrinando entre postos de Fortaleza. “Não tinha mais condição de esperar. Paguei R$ 300 pela primeira dose, e agora vou pagar mais R$ 300 pela segunda, parcelado. É um valor considerável. Fico imaginando outras mães que não têm de onde tirar dinheiro ou um cartão de crédito. Ficam à mercê, e os filhos sem acesso ao que é direito deles”, lamenta.

Para a família da costureira Marta Sousa, 45, a preocupação é dobrada: as duas netas, de 5 meses e de 1 ano e 5 meses de idade, estão sem a imunização. “A mais nova ainda não tomou nenhuma dose, a mais velha não conseguiu o reforço, tá tudo atrasado. A gente se preocupa, porque elas estão totalmente desprotegidas”, lamenta a avó, que mora no município de Viçosa do Ceará, na divisa com o Piauí; enquanto as netas vivem em Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza.

“Os pais delas procuraram em vários postos, de vários bairros, mas nada. Só dizem que tá faltando em todo canto e que não tem previsão de chegar. Aqui na cidade eu fico perguntando também, porque se chegar e elas puderem vir tomar, vêm. A gente não tem condição de comprar a vacina no particular, ainda mais sendo duas”, declara Marta.

Risco de retorno de doenças
Para Vanessa Soldatelli, o cenário é preocupante e requer cautela porque, caso se prolongue, pode facilitar o retorno das doenças preveníveis pela vacinação. “As crianças que tiveram a pentavalente podem ficar tranquilas, porque precisam só da dose de complemento, que reativa a imunidade e garante dez anos de proteção, até o reforço na fase adolescente e adulta. Com as crianças que não tiveram nenhuma dose da penta, precisamos ter mais cuidado. Recomendamos que os pais não saiam muito para praias, festas de aniversário, igrejas e shoppings, que têm grandes aglomerados de pessoas”.

A difteria teve apenas um caso confirmado no Ceará (em 2003), entre 1997 e 2018, de acordo com boletim do Ministério da Saúde. Já o tétano registrou, em 2019, 11 casos, quatro deles na capital cearense. Coqueluche teve 29 confirmações, nove em Fortaleza. Já a hepatite B contabilizou 196 infecções e cinco mortes em todo o estado – 77 dos casos e uma das mortes foram em Fortaleza.

Outra doença grave à qual crianças estão expostas sem a imunização é a meningite causada pela bactéria Haemophilus influenza tipo b. No Ceará, ano passado, foram 423 casos e 29 mortes contabilizadas por “meningites”, não especificado o causador. A capital cearense concentrou 227 dos registros e nove dos óbitos. Os dados são do último boletim epidemiológico de 2019 da Secretaria Estadual da Saúde.

A pediatra e coordenadora de uma clínica de imunização particular de Fortaleza, Vanuza Chagas, avalia que a preocupação dos pais e dos profissionais de saúde é justificada pela vulnerabilidade de crianças a enfermidades sérias. “Manter o calendário em dia é importante principalmente para evitar doenças que se comportam de formas muito graves no primeiro ano de vida. São doenças que podem levar à UTI, deixar crianças internadas com complicações severas”.


Por Theyse Viana e Barbara Câmara, G1CE

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