segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Apenas 10% das denúncias de assédio sexual feitas nos últimos 8 meses em Fortaleza pelo Botão Nina tem identificação do usuário



Apenas 157 dos 1.536 registros de assédio sexual no transporte público de Fortaleza, entre 6 de março e o começo de novembro deste ano, realizados pelo Botão Nina tiveram identificação do usuário. Neste cenário, 10% das vítimas enviaram dados pessoais e detalharam o crime para formalizar a denúncia. Os dados foram fornecidos pela Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP).

O Botão Nina é uma ferramenta do aplicativo ‘Meu Ônibus’, disponível para Android e iOS, em que é possível registrar denúncia de assédio sexual cometido no transporte público, nos terminais e nas paradas de ônibus. Quando a queixa é formalizada, as imagens das câmeras de segurança dos veículos são encaminhadas para a investigação do crime.

Em oito meses, os dados mostram que as mulheres são as principais vítimas (78%) que sofreram ou presenciaram um caso de assédio sexual. Grande parte dos casos (87%) aconteceram dentro dos ônibus, mas também foram registrados nos terminais (5%) e nas paradas (8%).

Mariana Gomes, arquiteta e urbanista da Prefeitura de Fortaleza, destaca que é preciso preencher o máximo de informações no Botão Nina. “Para transformar em denúncia você precisa preencher com dados pessoais e dar mais detalhes”, esclarece.

Casos
Quem conheceu cedo os traumas dos assédios sexuais foi a técnica administrativa Iana Queiroz, 23, que desde quando começou a andar de ônibus sozinha - aos 13 anos - percebe os atos criminosos. “Eu tinha muito medo, e não falava, até que um dia aconteceu de ele realmente colocar a mão dentro da minha roupa. Eu não tive reação nenhuma”, lembra sobre um homem que cotidianamente a assediava no ônibus.

Em outro momento, já adulta, Iana foi abordada por um homem que lhe entregou um bilhete com o contato de telefone e que insistiu em uma aproximação chegando a lhe seguir no caminho para trabalho. “Fiquei envergonhada e mudei de ônibus. Só que ele descobriu, começou a pegar o mesmo ônibus que eu e aí conseguiu meu Facebook e começou a me mandar várias mensagens, descer na porta do meu trabalho”, destaca.

Iana reflete que as barreiras em denunciar um caso de assédio, além do trauma, são formadas por questões culturais que diminuem a gravidade do crime. Ela avalia que as denúncias servem para cobrar do Poder Público medidas para punir e evitar novos registros desse tipo de crime. Ela não utiliza o aplicativo ‘Meu Ônibus’, mas reconhece a importância da ferramenta e de campanhas contra o crime.

Crime
Mesmo com a denúncia feita pelo Botão Nina a abertura de um boletim de ocorrência não é dispensável, como frisa Danielle Mendonça, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), reforça a necessidade de formalizar a denúncia por meio de um boletim de ocorrência. “É interessante que elas, apesar do estado emocional, procurem reunir dados acerca daquele coletivo em que ela estava se deslocando, como por exemplo, o número da linha, porque isso vai facilitar a investigação”, esclarece.

Danielle explica que os crimes mais frequentes no transporte coletivo são os assédios sexuais, em que há toques libidinosos, mas que também são registrados estupros. “O estupro não é apenas a conjunção carnal, é qualquer ato libidinoso praticado contra a vítima em que acontece uma grave ameaça ou uma violência física”, destaca. Danielle, explica que a punição para assédio sexual é de um até cinco anos, já quando se trata de estupro o criminoso leva de três a oito anos.

Conforme a delegada os fatores culturais relacionados ao machismo ainda desencorajam a formalização das acusações de assédio sexual. “Nós estimulamos a denúncia e sempre frisamos para as vítimas que a culpa da violência é exclusivamente do agressor. Que ela, de forma alguma, deve se sentir culpabilizada pela violência que sofreu”, ressalta.

Ferramenta
Simony César, fundadora do Botão Nina, explica que teve a ideia de criar a ferramenta por acompanhar a rotina da sua mãe, trocadora de ônibus em Pernambuco. No ensino superior, a jovem passou a estagiar em uma empresa de transportes e começou a desenvolver o sistema. “No Brasil, o assédio em espaços públicos só foi considerado crime em setembro do ano passado. Até então não tinha nenhum dado com base em casos reais de assédio, só estimativas. A Nina traz pela primeira vez esses dados com base em casos reais”, destaca.

Com a plataforma é possível mapear as zonas de risco e os horários com maiores registros de crimes para estabelecer estratégias de combate aos assédios sexuais. “O grande objetivo foi criar um mecanismo de forma fácil para que as mulheres reportassem e, para que esse mesmo mecanismo, se tornasse padrão em qualquer aplicativo de mobilidade. Começou no ‘Meu Ônibus’ e agora a gente está avançando para ser inserido em outros aplicativos”, pontua.

Por G1 CE

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