"A nossa situação é cada vez
pior. Muitos já desistiram de criar o pescado em gaiolas, não dá mais. O peixe
está sem valor, a ração está cara e o açude secando, com água sem qualidade e
sem condições de continuar com a atividade". O lamento é do piscicultor,
Laudo Clementino, que desde 2011 iniciou um projeto de produção de tilápia no
Açude Castanhão, o maior do Ceará.
O pranto do piscicultor, no
entanto, não é isolado. É um grito geral. Maiúsculo. Que ecoa, há anos, por
entre as 184 cidades cearenses. Nos últimos oito anos, o sertanejo foi
duramente castigado pela seca. A água que caiu do céu, com volume e força, nos
anos de 2008 e 2009, cessou. O líquido que vinha das nuvens, passou a vir dos
olhos. O agricultor chorou, o rebanho morreu e a vegetação foi igualmente
castigada.
A crise hídrica se alastrou e
mudou o cenário do Estado. Para mostrar essa realidade, o Diário do Nordeste
visitou sete cidades do interior cearense. Foram mais de 1800 quilômetros
percorridos. O especial "Águas do Céu" retrata, durante as próximas
cinco semanas, os efeitos da seca no Ceará, resgata a memória do sertanejo
quando o Estado viveu anos com chuvas acima da média e traz a esperança de
novos tempos. O desejo é que o grito uníssono de súplica transforme-se em
alívio e agradecimento. Mas, se as chuvas finalmente virão, isso só o tempo irá
dizer...
Castanhão
A crise se agravou a partir de
2016 quando houve uma mortandade quase generalizada no reservatório. A perda de
volume de água inviabiliza a produção de tilápia, a principal atividade
econômica do município de Jaguaribara. O reservatório, responsável pelo
abastecimento de Fortaleza e Região Metropolitana (RMF), além do médio e baixo
Jaguaribe, hoje, acumula menos de 4% de seu volume.
Apesar de todas as dificuldades,
o sentimento de esperança persiste entre os piscicultores. "Confio em Deus
e quando esse canal chegar (transferência das águas do Rio São Francisco) tudo
vai mudar e melhorar para todos", espera Laudo Clementino.
O também piscicultor Carlos
Antônio da Silva foi incisivo: "O Castanhão parou, a piscicultura está se
acabando". Há oito anos, Silva mantinha em sociedade com Laudo Clementino,
300 gaiolas, mas atualmente está com apenas 100. "Era uma atividade boa, a
gente conseguia tirar sete mil quilos por mês, mas agora a produção é inferior
a dois mil quilos", detalha.
A queda na produção de pescado
reflete diretamente na diminuição da renda dos piscicultores. O quilo da
tilápia era vendido por R$ 8,00, mas foi reduzido para R$ 6,50. A atividade
permitia um lucro livre em torno de 30%. "Hoje a gente só tá fazendo dois
salários mínimos por mês", pontuou Carlos Silva. "Nunca imaginei que
o açude Castanhão fosse ficar com pouca água assim", afirma, espantado, o
agricultor Pedro Lima. "Essa é a pior crise que já vi em minha vida".
A secretária de Desenvolvimento
Econômico, Turismo e Pesca do município, Lívia Barreto, avalia que a cidade
está mais pobre com a paralisação dos criatórios de pescado de forma intensiva
no Castanhão. O setor movimentava R$ 7 milhões por mês. A queda no comércio é
superior a 30%. A produção estimada era de 20 mil toneladas por ano de tilápia,
no reservatório. "Enfrentamos uma crise econômica grave", frisou.
"O nosso esforço é para
trazer investimentos, projetos com apoio do governo do Estado".
O Castanhão chegou a produzir 400
toneladas de tilápia por mês. A piscicultura gerou centenas de emprego e a
renda dos trabalhadores e produtores rurais aqueceu a economia local. O varejo
estava em expansão, mas veio a crise hídrica. "A produção de pescado é a
base da nossa economia, mas hoje o dinheiro que circula no comércio é
proveniente de aposentadoria e de salários de servidores públicos",
pontuou Lívia Barreto.
Associação dos Criadores de
Tilápia do Castanhão (Acrítica) observa que o reduzido volume de água
inviabiliza a criação de peixe. Piscicultores já foram embora para outros
Estados. Os projetos produtivos (criação de bovinos e produção de frutas) não
deslancharam e a escassez de água traz dificuldades. "Tudo isso contribui
para a crise se agravar", complementa Barreto. Àqueles que não se
aventuraram em outros açudes fora dos domínios cearenses estão praticamente
parados.
Carlos Antônio Silva há oito anos
deixou a atividade agrícola e tornou-se piscicultor, mas agora teme voltar para
o campo.
"A dificuldade é grande.
Temos família para criar, contas a pagar, mas a produção só caí",
lamentou. "O preço do peixe baixou, mas o da ração não para de
subir".
A assessora da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Jocivânia Bezerra, frisou que o sentimento do povo é
de tristeza. "Os piscicultores e a população estão desanimados",
disse.
Reflexo
Em 2013, o açude estava com mais
da metade de sua capacidade hídrica (55,04%). Três anos depois, uma queda
substancial. O Castanhão estava apenas com 10,97% do volume total. No ano
seguinte, redução de 50%. "Em 2017 o açude tinha 5% da capacidade total,
no ano passado, apenas 2,65%", detalha a comerciante Rosinalda Custódio
Lima.
Diante da seca, grupos de
turistas praticamente deixaram de visitar a cidade nos fins de semana. "O
açude Castanhão com reduzido volume (atualmente com 3,9%) não se torna atrativo
turístico", destaca Lívia Barreto. Restaurantes e pousadas estão com
movimento "aquém do habitual".
"O Castanhão é de grande
importância para Jaguaribara, era a esperança de um povo que por meio da
piscicultura gerou renda e emprego e impulsionou outros setores", observa
Jocivânia Bezerra.
Fonte: Diário do Nordeste
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