terça-feira, 30 de junho de 2020

Atendimento à população em situação de rua cresce em Fortaleza durante a pandemia



A pandemia do novo coronavírus agravou problemas econômicos e sociais em Fortaleza, desde o início de março. A piora se reflete nos dois Centros de Referência para População em Situação de Rua (Centro Pop) da capital, onde a média de pessoas assistidas teve aumento “significativo”, conforme a secretária-executiva da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), Patrícia Studart. Enquanto a média diária comum variava de 100 a 150 atendimentos, durante a pandemia, cresceu para 250.

“Tivemos de nos adaptar porque não era algo esperado”, afirma Patrícia, explicando que parte do público é formada por trabalhadores autônomos cuja subsistência dependia do comércio funcionando.

Desde março, a SDHDS abriu três abrigos temporários para a população de rua, com 170 vagas, além de dois galpões de higiene pessoal, nos bairros Praia de Iracema e Centro. Outros contêineres serão implantados na Parangaba, na Messejana e no Mucuripe, assegura Patrícia.

“Também abrimos um espaço de isolamento social para quem tem suspeita de Covid-19, mas a população de rua quase não foi acometida, só passaram 10 pessoas. Continuamos com distribuição da alimentação nas praças, logradouros e nos Centros Pop, além da entrega de álcool em gel”, reforça Studart.

Para entidades ligadas a trabalhos sociais com a população de rua, a “adaptação” do serviço reflete a defasagem dos dados sobre esse grupo. O último censo oficial foi realizado há seis anos, em 2014, quando contabilizou 1.718 desabrigados, concentrados principalmente no bairro Centro e na Avenida Beira-Mar.

Descompasso
'"As instituições que trabalham com isso acham que, desde esse tempo, já passava facilmente de 2 mil. Com a pandemia, esse número pode ter duplicado. Só na Praça do Ferreira, tem cerca de 300 a 350 pessoas rotativas. Sempre ficamos com pé atrás nesse número, mas nunca tivemos pernas para acompanhar”, considera Marcelo Meneses, coordenador do movimento Fortaleza Invisível.

Na observação dele, as comunidades mais afetadas são o “Oitão Preto” e o Moura Brasil, vizinhos ao Centro, embora a população de rua esteja em toda a cidade: nos arredores das lagoas da Parangaba e Messejana, nas proximidades do Cuca Mondubim, sob o viaduto rumo ao Eusébio e nas avenidas adjacentes à Câmara Municipal, no bairro Luciano Cavalcante.

“O censo é necessário para formalizar qualquer política pública eficaz. Além dos dados quantitativos, precisamos saber as territorialidades porque, hoje, essas pessoas não estão mais só no Centro da cidade, por isso é importante conseguir monitorá-las”, reitera Leila Paiva, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE).

Em outubro de 2019, a Prefeitura de Fortaleza acatou a recomendação do Ministério Público do Ceará (MPCE) para realizar um novo levantamento estatístico da população em situação de rua em 2020. Contudo, Patrícia Studart, da SDHDS, informa que as empresas participantes da licitação pediram o cancelamento do processo, que só deve ser retomado após a pandemia. “Mas deve ser mais rápido porque o projeto já está todo estruturado”, garante a secretária-executiva.


Redes de atenção
A pesquisadora Andréa Esmeraldo, doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e trabalhadora da assistência social, lembra que mais de 10 anos decorreram desde a instituição da da Política Nacional para a População em Situação de Rua, em 2009, cuja prática tem entraves no desenvolvimento de eixos como habitação, trabalho, saúde, cultura, educação e segurança alimentar.

“Se nós atendêssemos pelo menos o que está na lei, teríamos serviços assistenciais que não são apenas pontuais, mas capazes de fornecer acesso e condições para iniciar o processo de saída das ruas. É um panorama intersetorial que deveria ser ofertado”, estima.

Andréa chama chama atenção especial para o aumento da violência doméstica durante o isolamento social na pandemia, situação capaz de levar mais mulheres às ruas pela redução da oferta de redes públicas e voluntárias de atenção, que não estão funcionando ou operam de forma reduzida no período.


Por Nícolas Paulino, G1 CE

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