quarta-feira, 24 de junho de 2020

Durante a pandemia, atendimentos em emergências caem 33% em hospitais de Fortaleza



Nos meses de março, abril e maio, as emergências de seis grandes hospitais da rede estadual e municipal em Fortaleza registraram queda de 33,35% nos atendimentos se comparado a igual período de 2019. Nas unidades hospitalares foram feitos 52.261 acolhimentos nas emergências. Mas, apesar do alto fluxo, são 26.159 acolhimentos a menos de pacientes que necessitam de cuidados imediatos.

Diversas unidades tiveram que garantir duas linhas de frente: uma para a Covid e outra para as demais demandas como pessoas vítimas de AVC, de acidentes, de hemorragias e de quedas. A diminuição de pacientes preocupa, pois médicos temem as possíveis sequelas deixadas por doenças que em casos agudo demanda pronto-atendimento.

O levantamento considera dados de unidades da rede estadual como o Hospital Geral Dr. César Cals, no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, o Hospital Infantil Albert Sabin, o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto e o Hospital São José, que, segundo a Secretaria Estadual da Saúde, realizaram juntas, de março a maio deste ano, 40.663 acolhimentos na emergência.

Em 2019, de março a maio foram 58.827 atendimentos; e também do Instituto Dr. José Frota (IJF). Na emergência do hospital foram 19.593 registros de março a maio de 2019 e 11.598 este ano.

O médico e chefe do Departamento de Emergência do HGF, Khalil Feitosa, ressalta que a mudança na procura da emergência da unidade foi perceptível. No hospital são recebidos, dentre outros, pacientes vítimas de AVC, com problemas vasculares graves, com hemorragia digestiva e emergências ligadas ao rins.

“Dividimos nossa emergência. Um setor com pacientes com entrada com sintomas respiratórios ou sintoma de Covid e um com entrada para pacientes sem sintomas respiratórios. Percebemos uma diminuição dos sem sintomas respiratórios. Mas, nos últimos 10 a 15 dias, nós estamos percebendo novamente esse aumento. Eles voltaram a procurar a emergência”, relata o médico. Ele acrescenta que a baixa nas emergências é atrelada justamente ao medo dos pacientes irem às unidades.

Receio de contaminação
Uma das pacientes que precisou de atendimento emergencial mas evitou deslocar-se até um hospital foi a aposentada Valdenira dos Santos, 60 anos. Ela conta que é diabética e durante a pandemia o “nervosismo aumentou, pois meu irmão passou uma semana internado por conta da Covid-19, e as taxas subiram muito, tive vários picos”.

Com medo de ir ao hospital, relata, optou por pagar uma consulta particular online. “Contratei o serviço de um laboratório particular também para fazer os exames em casa para verificar as taxas. Fiquei apreensiva em procurar hospital ou UPA justamente por me enquadrar no grupo de risco. Meu irmão ficou internado por 7 dias no Hospital da Messejana”, diz.

Outra paciente que também teve receio é a professora aposentada Cândida Damasceno, de 55 anos. Ela relata que “teve uma hemorragia menstrual, estava sangrando muito e me sentindo muito frágil, era necessário que eu fizesse uma consulta, mas não fui pois fiquei com medo de ir ao hospital ou mesmo a um consultório médico. Então recorri a uma consulta online, e era o momento do auge da pandemia, foi na segunda quinzena de maio. Na consulta, o médico passou o exame, e ainda não fiz por medo. Ele passou a medicação, tomei e a situação naquele momento foi resolvida”.

Cândida temia que a imunidade estivesse frágil. “Eu tenho fibromialgia, mas ainda não se sabe se é uma condição de risco para a Covid-19, por isso achei melhor não arriscar, vamos ficar por aqui mesmo, me prevenindo”, acrescenta.

Médicos alertam para possíveis efeitos
O médico e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Vascular do Ceará (SBACV-CE), Edison Andrade, reitera a percepção sobre a baixa nos atendimentos emergenciais durante a pandemia.

Ele ressalta "Observamos principalmente no serviço público, uma sobrecarga de pacientes com Covid, havendo desta forma um decréscimo na visita daqueles pacientes que apresentam outras patologias que continuam acontecendo. Esses pacientes com receio de procurar o serviço de atendimento médico acabaram ficando em casa e isso pode levar à uma certa complicação". Isto, alerta ele, porque algumas doenças, dada a gravidade, não podem aguardar e o seu tratamento não pode sofrer retardo.

Na especialidade da cirurgia vascular, explica, um casos graves cujos atendimentos emergenciais não podem ser adiados são os pacientes diabéticos.

“Aqueles que apresentam o que a gente chama de pé diabético, que é um comprometimento na circulação dos membros inferiores. Nesses pacientes, casos eles evoluam e apresentem infecção, ela deve ser tratada imediatamente tanto através de antibiótico como de procedimentos cirúrgicos. Postergar o atendimento desses pacientes faz com que, muitas vezes, aquela pessoa que seria submetida à uma simples limpeza cirúrgica e uso de antibiótico, acaba chegando de forma extremamente grave com necessidade de amputação dos membros”.

A superintendente do IJF, Riane Azevedo, também aponta que foi constatada redução nas buscas por atendimentos na emergência. No entanto, na unidade, afirma ela, como são recebidas, dentre outras demandas, vítimas de traumatismo e queimaduras, ela acredita que esses pacientes não tinham como não buscar ajuda médica. Riane também enfatiza que, embora essa queda tenha ocorrido, já se observa em junho que “a reabertura do mercado começou a movimentar novamente essa rotina que estava um pouco mais contida".

O médico Edison Andrade reforça que essa baixa de atendimentos emergenciais era esperada e que as redes de saúde precisam se organizar agora para receber novamente o volume de pacientes semelhante ao patamar anterior à pandemia. “O mais importante é a gente tentar conscientizar a população de que algumas doenças não podem esperar. Com Covid ou sem Covid”.


Por Thatiany Nascimento e Lívia Carvalho, G1 CE

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