segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Número de meninas mortas entre 0 e 17 anos em 2020 é 91% maior do que em 2019 no CE



O número de meninas vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), somados entre janeiro e outubro deste ano, é quase o dobro do ano passado no Ceará, de acordo com levantamento realizado pelo G1. Enquanto nos dez primeiros meses de 2019, 23 meninas entre 0 e 17 anos foram vitimadas no Estado, no mesmo período de 2020, 44 garotas perderam a vida para a violência.

Na maior parte das ocorrências deste ano — 28 dos 44 casos — disparos causados por uma arma de fogo foram o motivo da morte. A quantia corresponde a 63% das garotas perdidas. Em números absolutos, o valor é 57% maior do que registrado até outubro de 2019. Na época, 16 meninas foram vitimadas pelo instrumento, o que correspondeu a 69% das notificações daquele ano.

As informações foram calculadas a partir das estatísticas publicadas mensalmente pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). A pasta considera como CVLI os crimes de homicídio doloso, feminicídio, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte.

“A gente vive em um momento onde um discurso autoritário contra os corpos femininos está muito legitimidado. O feminicídio é marcado por morte com crueldade e não é só crime relacionado à violência doméstica. É também uma relação de poder”, reforça a socióloga Camila Holanda, uma das consultoras do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA) da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (ALCE).

Essa representações do gênero é absorvida pelos conflitos urbanos em um ano já violento, indica Camila, e aparece atrelado à falta de política de amparo em espaços de vulnerabilidade social. Sem receber a atenção devida, garotas podem virar alvo de organizações criminosas.

“A escola não é um lugar que agrega, o mercado de trabalho é voltado para informalidade. Isso é promotor de insegurança. É uma geração que está em busca de construir projetos de futuros que estejam alinhados com seus desejos. Nisso, o mundo do crime entra como atrativo. As meninas também participam disso”, avalia a socióloga.


Agravante

Ao avaliar as vítimas femininas, a defensora Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), aponta uma confluência de delicadezas. “Há um processo de criminalização da própria vítima”, elabora. Por isso, ao receber juridicamente os familiares das vítimas “é preciso todo um trabalho para não permitir, desde a hora do inquérito, que nem as vítimas nem as famílias sejam criminalizadas”.

Mariana está à frente da Rede Acolhe, célula da defensoria que recebe familiares de vítimas de homicídio no Ceará. Além das vulnerabilidades sociais, parte das meninas atendidas pelo núcleo compartilham uma premeditação do crime. “O que a gente observa é que de acordo com as famílias, mais das metade dos casos receberam ameaçadas antes de virarem vítimas”, recorda. Nas estimativas da Rede, foram 192 atendimentos relacionados à violência contra mulheres e meninas desde o surgimento do projeto em 2017. Deste total, 11 tiveram como vítimas meninas entre 0 e 19 anos.

As investidas violentas contra meninas, contudo, ainda não estão especificadas nas estatísticas da SSPDS. Os boletins mensais mostram que apenas a morte de uma menina de 17 anos foi reconhecida como feminicídio em 2020. Em 2019, três mortes dessa natureza foram notificadas — uma delas contra uma criança de dois anos de idade.

Assim como Camila, a defensora acredita na efetivação de políticas para juventude como fator preventivo para o aumento de casos. “A gente acha que a resposta é a investigação e a responsabilização. Tem que ocorrer mas não tem que existir sozinha. É preciso investir em políticas sociais. De trabalho, de emprego, claro, mas também da presença do Estado em bairros de menor IDH. Seja com uma política de saúde, seja com uma política educacional”, encerra. Usado para medir a qualidade de vida em uma determinada região, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado levando em consideração fatores como renda, educação e saúde.


Fiscalização

Questionada sobre o aumento, a SSPDS respondeu, em nota enviada ao G1, que reforçou ações para evitar os crimes violentos contra vida e enumera a criação do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), bem como a ampliação do número de delegacias do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), de cinco para 11 ainda em 2017. Nas unidades DHPP, os casos cujas vítimas são crianças e adolescentes são prioridade, garante a pasta.

Jovens em situação de violência também podem ser acompanhados por meio da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca). Caso uma unidade voltada para atendimento especializado não esteja disponível na região, a população pode comparecer às delegacias municipais e receber atendimento de profissionais capacitados.

A Secretaria da Segurança salienta ainda a ampliação do trabalho de investigação nas delegacias de todo o Estado, o que deu ainda mais capilaridade à Polícia Judiciária cearense, bem como intensificou as investigações de crimes em todo o Ceará. Nos últimos seis anos, o número de delegacias 24 horas no Ceará mais que dobrou, passando de 13 para 32 unidades plantonistas.

Locais com maiores índices de crimes contra a vida são alvos de operações. A SSPDS indica que atua no fortalecimento da polícia investigativa nesses locais para coibir a atuação e a disputa entre organizações criminosas. “A presença permanente da Polícia nos territórios têm o objetivo de neutralizar a ação de grupos criminosos e construir uma relação de confiança junto aos moradores”, destaca a pasta.


Uso de armas

2019

  • 112 homicídios com arma de fogo em menores de idade (84,2% dos 133);
  • 16 meninas (69% de 23)
  • 96 meninos (87,2% de 110)


2020

  • 197 homicídios com arma de fogo em menores de idade; (67%)
  • 28 mulheres (60% dos 46)
  • 169 homens (68% de 246)


Por Cindy Damasceno, G1 CE


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