quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Substâncias de camarões e algas podem ajudar no tratamento de doenças cardiovasculares, revela pesquisa cearense



Um estudo recém-publicado e desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Universidade de Laval, no Canadá, revela que substâncias encontradas em camarões e algas podem auxiliar no tratamento de doenças cardiovasculares. Os “polímeros” (um conjunto de pequenas moléculas) naturais são mais baratos em relação às substâncias utilizadas hoje e podem melhorar o tratamento, evitando riscos de infartos e AVCs.

O professor Rodrigo Silveira, do Departamento de Engenharia Química da UFC, que assinou o artigo, explica que os “materiais, extraídos de fontes naturais, possuem baixo custo e visam atingir propriedades semelhantes ou até melhoradas em relação à heparina, anticoagulante mais utilizado hoje nos tratamentos”. Segundo ele, as substâncias podem ser utilizadas como “agentes anticoagulantes” ou em “superfícies que entrarão em contato direto com o sangue”.

Com essa possibilidade, os polímeros naturais como quitosana (que vem do camarão), e agarana e carragenana (oriundos de algas marinhas) poderão ser usados para revestir os chamados stents metálicos - pequenos tubos de aço inoxidável e ligas de titânio que são colocados no corpo humano para desobstruir um vaso sanguíneo entupido por gordura. Este revestimento já pode ser feito hoje, com substâncias usadas no tratamento do câncer, o que encarece o tratamento.


Quais as principais vantagens

Segundo Silveira, a principal vantagem das substâncias encontradas em camarões e algas é o custo, mais baixo em comparação ao tratamento realizado hoje, principalmente para revestir os stents. “Os materiais são oriundos de fontes naturais, extraídos de caranguejo, algas marinhas, e podendo contribuir tanto no aspecto ambiental, com a redução de resíduos, como no desenvolvimento tecnológico”, destaca.

Joaquim David, cardiologista intervencionista do Hospital do Coração, em Sobral, explica que existem dois tipos de stents: o convencional e o farmacológico - revestido e mais caro. O último proporciona uma melhor qualidade de vida ao paciente a dificulta a criação dos trombos, mas é mais restrito pelo SUS. “Menos de 5% dos pacientes conseguem acessar este stent. Temos muita expectativa que estudos como este se desenvolvam para diminuir os custos”, aponta David.

O aposentado Hamilton Madeira, 53, teve a sorte de conseguir o tratamento farmacológico a partir do plano de saúde. Neste mês, ele completa três anos com dois stents farmacológicos. “Vinha sentindo muito cansaço e fiz um cateterismo, que constatou que precisaria colocar dois stents. Eu tinha duas veias entupidas”, explica. Hoje, ele segue nos exames de rotina e passou a realizar atividades físicas, além de deixar de fumar.

“Havia essa sorte do plano cobrir. Com esse modelo, não ficou nenhuma sequela”, comemora o aposentado.

A experiência de Madeira, no entanto, não é a realidade. Segundo David, o Hospital do Coração realiza anualmente cerca de 1.400 implantes de stents ao ano. “A grande maioria é convencional”, explica David. O médico ressalta, ainda, que no modelo farmacológico, são usadas duas substâncias: uma medicação e um polímero, o que encarece o tratamento. No caso das substâncias naturais de camarões e algas, os “polímeros funcionam, também, como medicação”, aponta.

Segundo tabela do SUS, o modelo de stent convencional custa cerca de R$ 2 mil. Já o farmacológico, que é revestido, fica entre R$ 4 mil e 7 mil.

“Com o que o estudo propõe, teríamos o desenvolvimento de uma inibição da trombose com os biopolímeros impregnados na superfície do stent, o que deve baratear muito os custos. Se fossem animais raros, certamente aumentaria os custos de produção, mas algas e camarões são facilmente encontrados”.


Próximos passos da pesquisa

A pesquisa da UFC vem sendo desenvolvida desde 2012, juntamente com o professor Diego Mantovani, da Universidade do Laval. Atualmente, os estudos buscam avaliar aspectos relativos a diminuição da corrosão para as superfícies revestidas com as substâncias das algas e camarões. “Em seguida, faremos experimentos ‘in vivo’, utilizando artéria de coelhos, como modelo animal, simulando intervenções utilizando stents coronários”, explica Rodrigo Silveira.

Também compõem o projeto a pesquisadora do doutorado da UFC Anatália Felismino Morais e a mestranda Sandy Danielle. A pesquisa é financiada pelo CNPq e FUNCAP, entidades brasileiras de fomento à pesquisa científica.

Segundo Silveira, a redução nos custos em termos financeiros ainda não foi avaliada. “Entretanto já se sabe a facilidade de obtenção e certamente levará a um menor custo. Quando utilizada para revestimento de superfícies (levará a um ganho na vida do paciente). Os dispositivos de implante no corpo humano podem levar a formação de trombos e essa tecnologia de recobrimento visa reduzir esses riscos”, defende o pesquisador.


Cenário cearense

Mesmo com as dificuldades em conseguir stents do tipo farmacológico, segundo a Secretaria da Saúde (Sesa) do Ceará, grande parte dos implantes realizados nos últimos dois anos utilizaram este modelo. No primeiro semestre de 2019, foram realizadas 7.343 cirurgias para colocação de Stent no Ceará, dos quais 3.321 (45%) foram farmacológicos e 4.022 (55%) do modelo convencional. Neste ano (de janeiro a junho), foram 3.254 implantes - 2.332 farmacológicos e 922 convencionais.

Segundo o cardiologista Joaquim David, esta ampliação deve-se, também, aos processos de judicialização dos pedidos feitos em anos anteriores. Com isso, unidades como o Hospital da Messejana, na Capital, passaram a adquirir mais modelos farmacológicos por conta da demanda.


Por Rodrigo Rodrigues, G1 CE


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