segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Parceria de Agência Francesa e Funceme visa melhor compreensão do funcionamento hidrológico

 


Desenvolver ações assertivas no Semiárido e instituir políticas de enfrentamento às mudanças climáticas são dois pontos cruciais - e urgentes - que podem minimizar os - já visíveis - impactos presentes no Sertão cearense. O Estado do Ceará tem enfrentado longos períodos de estiagem e os efeitos desse fator vão além das dificuldades no abastecimento. As esferas sociais, econômicas e ambientais são afetadas. Desenvolver trajetórias mais resilientes, com foco no desenvolvimento sustentável é um gargalo presente nos estados nordestinos.

No Ceará, uma parceria entre Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) objetiva avançar nessas questões. Com investimento superior à ordem dos R$ 6 milhões, o programa de estudos visa a redução de impactos ambientais por meio do desenvolvimento de uma economia de baixo carbono. A pesquisa vai durar três anos.

Como funcionará o Programa a ser realizado no Ceará, e qual seu objetivo?

Na prática, os estudos serão conduzidos pela Funceme, em parceria com o Centro de Pesquisa Agrícola Francês para o Desenvolvimento Internacional (Cirad) e outras universidades e centros de pesquisa. Além dos estudos, serão realizadas capacitações e ateliês para trocas de experiências. Também haverá experimentações pilotas em alguns territórios, para testar modelos de gestão inteligente da água.

O objetivo é refletir sobre a gestão dos territórios, saindo de uma visão setorial, para uma mais integrada, considerando as relações entre os recursos hídricos, a agricultura, a produção de energia. E também tentar vislumbrar trajetórias mais resilientes no tocante aos eventos climáticos, proporcionando assim o desenvolvimento sustentável.

Esse será o primeiro estudo financiado pelo Programa no Brasil. Quais desafios foram identificados no Ceará que despertaram o interesse da AFD?

O Nordeste, e especialmente o Ceará, enfrenta uma grave seca de vários anos que, combinada com o aumento da demanda nas grandes cidades, colocou a questão da água como uma agenda prioritária. Esta questão deve ser pensada de maneira integrada, levando em consideração seus vínculos diretos com a geração de energia, devido à importância da hidroeletricidade no Brasil, e a produção agrícola, que desempenha um papel de liderança na economia nacional.

O apoio a este projeto faz parte do programa Facilité 2050, um mecanismo de financiamento criado pela AFD. Os desafios que o Ceará enfrenta estão alinhados aos objetivos da Facilité 2050, que são acompanhar a construção de trajetórias de desenvolvimento de longo prazo, que seja tanto de baixo carbono, quanto resiliente às mudanças climáticas.

Com essa iniciativa, a AFD vem acompanhando de perto governos e instituições de cerca de 30 países, e agora o Ceará, nas suas estratégias de transição ecológica, conforme os objetivos fixados pelo Acordo de Paris.

Já existe o mapeamento de quais municípios serão monitorados para a produção dos estudos da AFD?

O foco inicial do projeto será na região do Banabuiú e Médio Jaguaribe. Serão estudos sobre os impactos das mudanças climáticas, análises da pegada de carbono, hídrica e energética dos sistemas agrícolas locais, além do desenvolvimento de um sistema de inteligência territorial aplicado à área.

O Ceará, por ser localizado no semiárido, historicamente convive com a escassez hídrica. Investir no desenvolvimento sustentável desse recurso limitado pode ser uma alternativa para ampliar a oferta da água mesmo em anos com pouca pluviometria?

A AFD considera essencial apoiar a construção de políticas públicas em um Estado do Nordeste brasileiro como o Ceará, que é particularmente sensível às mudanças climáticas e tem demonstrado estar alinhado aos objetivos do Acordo de Paris.

O objetivo é trabalhar a questão da oferta e da demanda de forma conjunta. Não se pode sempre resolver o problema da falta de água com aumento da oferta. O abastecimento em água tem que ser mais eficiente, mas, principalmente, mais resiliente, através de uma governança local e territorial que ajuda a balancear oferta e demanda.

A gestão da água deve levar em consideração os desafios impostos pelas mudanças climáticas, a fim de assegurar uma melhor oferta dos recursos disponíveis no longo prazo. O projeto prevê a construção de cenários de gestão e uso da água adaptados à realidade local e voltados a uma utilização mais eficaz dos recursos hídricos disponíveis.

O branqueamento dos corais já é uma realidade no Estado devido ao aumento da temperatura. Quais outros sinais de mudanças climáticas já são observados e quais os efeitos deles para os cearenses?

As consequências das mudanças climáticas atingem o conjunto dos estados do Nordeste brasileiro, que devem se tornar mais afetados por condições climáticas extremas. Mudanças nos padrões de chuvas e eventos extremos, como ondas de calor mais frequentes e secas prolongadas, devem se intensificar nas próximas décadas. Essa situação é particularmente preocupante em áreas com desigualdade socioeconômica.

Em termos de sinais que impactaram os cearenses, esta seca mais recente deve ser o mais claro. Segundo a Funceme, não temos nos registros sistemáticos algo similar ao que ocorreu durante estes últimos anos. Uma seca como a recente, de tal duração e severidade, seria esperada, em média, uma vez a cada 200 anos (no mínimo).

O objetivo é prover insumos técnicos para a definição de políticas públicas na área, apoiando assim o Estado do Ceará na construção de sua estratégia de adaptação frente às mudanças climáticas.

Para o Ceará, com bioma predominantemente na caatinga, quais os principais impactos a médio e em longo prazo da alta emissão de carbono?

O Ceará como o mundo todo, já está sofrendo do aquecimento global que muda o regime de chuvas e aumenta temperatura e evaporação. O aumento da temperatura média e as mudanças no regime das chuvas contribuem para a aceleração do processo de desertificação na região, gerando impactos negativos diretos tanto em termos socioeconômicos quanto de conservação do ecossistema local. Uma vertente importante do projeto estará voltada à identificação e incentivo de práticas menos emissoras no setor agrícola.

A caatinga pode sim ter um papel importante na sequestração do carbono e na moderação do aumento das temperaturas. Deve se trabalhar numa perspectiva de sustentabilidade econômica e ambiental ao nível territorial mobilizando inclusive mecanismos financeiros ao nível mundial que podem apoiar isto (mercado carbono).

Quais experiências em outros países podem ser aplicadas à realidade cearense?

A ideia não é tanto de aplicar, mas de olhar o que se faz e funciona mundo afora, principalmente em países cuja realidade é parecida com a do Nordeste, e inspirar-se destas experiências para construir ações adaptadas à realidade cearense. Há experiências de governança dos recursos hídricos e dos territórios em países mediterrâneos, como um programa apoiado pela AFD na Tunísia, que podem ser interessantes.

O projeto poderá se beneficiar ainda de trocas de experiências com parceiros apoiados pela Facilité 2050 em outros países. Esta dinâmica de compartilhamento é um elemento chave do projeto.

A AFD já desenvolveu ação semelhante com foco na redução de carbono em outros países? Quais?

Desde 2005, o combate às mudanças climáticas é uma prioridade da AFD. Podemos até dizer que sua ação, alinhada com o Acordo de Paris, é uma das mais ambiciosas entre os bancos de desenvolvimento. Em 2019, ela dedicou 6.1 bilhões de euros, ou seja, mais de 55% de todos seus financiamentos, para projetos e iniciativas relacionadas ao clima, em mais de 100 pais.

No âmbito da Facilité 2050, a AFD já tem diversas parcerias na Ásia, África e América Latina. Em 2019, 9,5 milhões de euros foram aprovados para ações em 16 países. Vale citar o projeto com o Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, para elaboração de uma estratégia em longo prazo de "descarbonização" da economia colombiana, integrando ao mesmo tempo questões de adaptação às alterações climáticas e gestão do risco de catástrofes.

Em uma região com limitação nos caminhos de desenvolvimento agrícola, é possível identificar modelos menos intensivos em emissões de gases de efeito estufa para promover a transição agroecológica? E quais seriam esses modelos?

Sim, claro. Esclarecer quais são estas alternativas e em quais condições podem ser viáveis socialmente, economicamente e ambientalmente é um dos objetivos dos estudos.

O projeto apoiará justamente a identificação desses modelos, ao delinear trajetórias de desenvolvimento agrícola com práticas menos emissoras, a partir de perspectiva da transição agroecológica e solidária.


Fonte: Diário do Nordeste


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