sexta-feira, 16 de julho de 2021

Um terço dos bebês que morreram de Covid-19 no Brasil não teve acesso à UTI



Um terço dos bebês que morreram de Covid-19 no país não teve acesso à UTI ou à ventilação mecânica por falta de leitos. Desde o início da pandemia, em março de 2020, até o último dia 11 de julho foram registrados 10.165 casos graves de Covid-19 em crianças até dois anos e 846 mortes. Os primeiros meses deste ano concentram 46,6% dos casos e 67,5% dos óbitos.

Dos bebês que morreram por Covid nessa faixa etária, 32,5% não foram para UTI e 38% não passaram por intubação, recursos terapêuticos fundamentais para aumentar as chances de salvar vidas nessas situações. A região Norte concentra a pior taxa: 46,8% dos bebês mortos não passaram pela intubação.

Os dados inéditos são do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19, que monitora casos e mortes de gestantes e puérperas notificados no Sivep-Gripe e que tem agora uma plataforma para analisar os casos de Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave) nos 730 primeiros dias dos bebês.

Ainda que a proporção de mortes infantis por Covid-10 seja bem inferior à do público adulto em geral (representam 0,33% do total), o aumento do número absoluto de casos e óbitos tem chamado a atenção dos especialistas. Os dados também chocam porque estão muito acima dos índices observados em outros países.

Pesquisas apontam que a Covid-19 aumenta o risco de parto prematuro e morte neonatal. Em muitos casos, quando a gestante desenvolve um quadro muito grave da doença, os partos têm sido antecipados.

A falta ou má distribuição de leitos infantis pelo país é outro fator que agrava a situação. "A gente tem muita maternidade para receber crianças de termo [nascidas entre a 37ª e a 41ª semana de gestação], mas não prematuros ou uma criança que complica", diz a ginecologista e obstetra Rossana Pulcineli Francisco, professora da Faculdade de Medicina da USP e também coordenadora do observatório.

No estado de São Paulo, 20% dos bebês que morreram de Covid-19 não tiveram acesso à UTI. Em Minas Gerias, foram 38%. Em Santa Catarina, que viveu um colapso dos leitos de UTI, 46%. Já o Maranhão concentra um dos piores índices do país, 56%.

Se forem considerados todos os outros casos de Srag nesse público infantil, foram 33.407 registros e 1.683 mortes em 2020. Neste ano, foram mais 35.806 casos e 922 óbitos.

Para efeito de comparação, em 2019 ''portanto, antes da pandemia'' foram 19.142 casos de Srag e 576 mortes nessa faixa etária.

Coleta de material para teste diagnóstico da Covid-19 em criança BBC News Brasil/Getty Images Uma pessoa de luva azul segura um frasco enquanto apoia os dedos no queixo de uma criança. Com a outra mão, ela leva um uma haste flexível em direção a boca da criança. ** Martins diz estar assustada com a quantidade de crianças atendidas com Srag neste ano.

Além do coronavírus Sars-CoV-2, vários outros vírus que afetam crianças pequenas estão circulando, como VSR (vírus sincicial respiratório) e o influenza, e podem causar quadros de Srag.

O maior hospital pediátrico do país, o Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), registra uma escalada de internações por Srag em menores de dois anos. Entre janeiro e abril, foram 47 casos mensais, em média. Em maio, pulou para 82, e junho fechou com 123.

Mais de 70% das síndromes em bebês não têm vírus conhecido Por falta ou limitações de testes diagnósticos, o Brasil desconhece o vírus causador de mais de 70% dos casos de Srag em bebês de até dois anos.

Nos casos em que o agente etiológico é conhecido, o coronavírus responde por 67% dos registros. O restante fica por conta dos vírus que tradicionalmente afetam as crianças pequenas, especialmente no inverno, como o influenza, o sincicial respiratório e o adenovírus.

O problema não é novo mas se agravou na pandemia de Covid-19. Em 2019, por exemplo, houve 19.142 casos de Srag, dos quais 58% tinham agente etiológico desconhecido.

Segundo o infectologista Renato Kfouri, tradicionalmente há muita dificuldade em laboratórios, especialmente os públicos, de fazer o teste diagnóstico de etiologia viral. "Muitas vezes há os painéis que só fazem [testes para] influenza, ou, agora, só Covid, mas não identificam os outros vírus. Esses painéis custam caro, e poucos hospitais públicos têm."

Mas, como a maior parte das infecções nessa faixa etária é causada por vírus, o resultado acaba não tendo muita influência na conduta clínica. "Dessas infecções virais, só tenho uma que consigo tratar [com antiviral específico], que é a influenza."

Também pode ajudar na decisão de medicar a criança com antibiótico. "Sabendo que a criança tem uma infecção viral, e não bacteriana, ajuda a dar uma segurada no uso desnecessário de antibióticos."


Fonte: Folhapress


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