quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Estudantes são proibidos por facções de frequentar escola em Messejana


Quase 19 meses após o início da pandemia de Covid-19, em que as escolas precisaram fechar, 94,7% das unidades de ensino médio da rede pública estadual já estão em transição para priorizar atividades presenciais. O retorno à interação em grupos e à proximidade maior com professores e colegas, entretanto, encontra uma outra barreira: os territórios dominados por diferentes facções criminosas. No caso do Liceu da Messejana, é a avenida Washington Soares que separa grupos e distancia estudantes da escola. 

“Com o retorno presencial, durante uma semana, eu consegui ir à escola normalmente, mas depois fiquei com medo e parei de ir. Meus pais já haviam me avisado sobre essa proibição (por parte das facções), de frequentar a escola, mas eu não acreditei muito, sabe? Depois dessa primeira semana, as pessoas dessa facção começaram a parar a gente no caminho e nos mandavam voltar para casa”, conta um estudante do Liceu. 

As queixas sobre a ação intimidatória no entorno da escola têm aumentado juntamente com o retorno presencial das aulas. Além das ameaças e o controle de territórios pelos grupos, estudantes temem ser assaltados ou seguidos por criminosos. “O Liceu está situado perto do Gonzaguinha (Hospital Distrital Gonzaga Mota), quando você atravessa a avenida, você já encontra uma facção rival. Os estudantes não podem fazer essa ligação de atravessar a avenida", diz um outro estudante.



Comunicação entre estudantes

Quando os alunos começaram a sentir falta de alguns colegas, uma rede de cuidado mútuo foi formada para saber quais as justificativas das ausências. "Um amigo estava indo para aula e no caminho perguntaram para onde ele iria. Ele respondeu que ia à escola. Depois da resposta, mandaram ele voltar para casa. Teve outro que foi ainda pior, ele me contou que foi abordado por gente de facção, que disseram que se ele fosse à escola, os caras matariam ele”, contou outro estudante. Por segurança, O POVO não divulga quaisquer informações pessoais dos alunos ouvidos nesta reportagem.

A situação gera não somente medo, mas muita indignação. “Se você for consultar as autoridades, vão dizer que está tudo sob controle. O Liceu fica situado em um local muito perigoso. O entorno é dominado pelo tráfico de drogas. Sobre as facções, por causa dos domínios de territórios, os alunos não podem fazer a passagem do local A para o local B”, informa outro estudante.

Com a transição do remoto para o presencial, alguns alunos ainda tiveram a possibilidade de optar pelo remoto, diante das restrições impostas pelas facções. Vale ressaltar que, conforme a Secretaria da Educação (Seduc), o Estado está em “transição para priorizar atividades presenciais”.


Área mais violenta

De acordo com as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a Área Integrada de Segurança (AIS) na qual Messejana está inserida registrou, entre janeiro e outubro deste ano, 123 homicídios, o maior número entre as AIS de Fortaleza. De acordo com o sociólogo e jornalista Ricardo Moura, colunista do O POVO, a partir de relatos, notícias e de conversas com interlocutores locais pode-se perceber uma intensa movimentação de disputas [por parte das organizações criminosas] territoriais naquela região.

“Como resultado desse acirramento, a gente tem um conflito aberto, e isso prejudica de maneira frontal as comunidades, que ficam reféns dessa situação. É um preço a pagar por estarem em territórios nos quais o crime, de alguma forma, busca estabelecer uma regulação social da vida das pessoas”, comenta Ricardo.

O POVO buscou conversar com moradores locais e outros estudantes, mas a respostas mais recorrentes eram: “Não posso falar sobre isso!”, “Não quero contribuir, sinto muito”, “Não me sinto à vontade para falar”. 


Rede de apoio e orientações

Além do impedimento de ir e vir, os estudantes precisam lidar com as tentativas de assaltos diariamente. Para tentar driblar a situação, eles estabeleceram uma rede de apoio, compartilhando informações entre si. Um grupo de Whats App reúne mensagens como estás:

"Meninas tomem cuidado, pois eles [criminosos] ficam só observando, aí quando acham uma oportunidade, eles roubam mesmo. Esses dias, eu estava indo à escola, e tinha um cara me seguindo, apressei logo os passos e entrei correndo no Liceu. Evitem levar o celular para a escola, e se for levar, deixem [o aparelho celular] bem escondido para não ter perigo de ser roubado”.

“Olha, para quem mora na banda de cá, vou dar um aviso: tem que dar um tempo de ir pra escola. Os caras daqui de dentro deram o aviso que não é para sair de casa à noite. Eles acabaram de matar um amigo meu, e quase eu fui embora agora”, relatou um estudante, em um aviso repassado no grupo.


Combate às facções

Ricardo Moura comentou sobre iniciativas do Governo do Estado no combate a essas ações criminosas, como mandados de prisão recordes. No entanto, o que precisa ser observado agora, de acordo com Moura, é o resultado concreto dessas ações. Segundo o sociólogo, com as ações de combate ao crime, pode haver uma queda em relação à atuação das facções criminosas em um determinado território.

"Mas como a gente está tratando de conflitos entre grupos, essa lógica é muito difícil de ser quebrada. Quando você desarticula um grupo, o outro busca ocupar aqueles espaços. Não há vácuo na disputa pelo tráfico de drogas. Esses espaços estão sendo disputados o tempo todo”, argumenta.


Fonte: O Povo

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